sábado, 25 de março de 2017

IV Domingo da Quaresma



Estamos no IV Domingo da Quaresma. Este momento vivido como Igreja é um momento de caminhada com o Senhor que deseja transformar a nossa vida à luz da sua Palavra. Quaresma é tempo de conversão, devemos mudar nossa mudar de VER o mundo, os outros, nós mesmos e Deus. Somente por meio da purificação de nosso olhar, é que nós poderemos viver com plenitude o projeto de Deus. O episódio da Cura do Cego de Nascença constitui um dos Sinais por meio dos quais o Evangelista João deseja apresentar Jesus em seu Mistério. 

Este texto ganha uma profundidade ainda maior quando situado dentro da Quaresma como acontece agora. A Quaresma deseja ser uma caminhada atenciosa à Paixão do Senhor que reconduza o cristão às suas próprias raízes. Apenas ouvindo a palavra de Jesus é que teremos condição de levar sua luz para os recantos ainda escuros de nossa própria existência. Toda nossa realidade assume uma postura mais consistente se revisitarmos a origem de nossa vida e de nossa missão: o nosso próprio Batismo. Quanto mais próximos da Palavra de Jesus estivermos, mais motivados seremos na nossa missão. E quanto mais assíduos formos à escuta desta palavra, mais clareza teremos de nossa identidade de cristãos no mundo. E por fim, quanto mais clara for a consciência de nossa identidade, maior será a intensidade de nossa doação a Deus e ao Próximo.

A estrutura do Evangelho de São João apresenta encontros de Jesus com determinadas pessoas, por exemplo, Jesus e Nicodemos, no capítulo 3, A Samaritana no Poço de Jacó, capítulo 4. Estes encontros demonstram a relação que cada discípulo tem com Jesus. Em cada encontro deste vemos a nós mesmos! Em cada um destes momentos, o Senhor convida quem o escuta a reconhecer a si mesmo. Semana passada, ouvíamos o testemunho da Samaritana: “venham ver o homem que disse tudo o que eu fiz!” Jesus também nos mostra nestes encontros aquilo que Deus tem a nos dizer, conforme o que foi dito no segundo domingo da Quaresma: “Este é o meu Filho Amado, no qual coloquei todo o meu agrado, escutai o que ele diz!” 

O Evangelho de hoje nos coloca diante de um cego de nascença, alguém que não se vê, não vê o mundo, não vê a Deus, não vê a realidade que o cerca. O Cego de nascença é alguém que tem que criar a sua própria realidade a partir dos sons que escuta. Talvez esse mundo seja limitado demais, todavia, foi o que ele construiu a partir do que ouviu. De uma forma propriamente nossa, fazemos a mesma coisa, não conhecendo a plenitude da verdade, fazemos das parcelas que conhecemos a verdade capaz de sustentar o nosso mundo. A capacidade de criar um mundo a partir de suas próprias convicções é o que o mundo chama de liberdade, mas o Evangelho nos tornar cegos como os fariseus criticados severamente por Jesus no final do Evangelho. 

Os discípulos não enxergam porque associam a cegueira ao pecado ou dos pais ou do cego. Os fariseus também não enxergam porque não reconhecem Jesus. Contudo, ali se encontra a luz verdadeira que sustenta todas as coisas. O Cego de Nascença é um cego físico e espiritual, cego no corpo e na alma. Ele nos é apresentado hoje como a imagem do homem atual. Sem Jesus, não passa de um mendicante. Lançado no mais longínquo vazio da existência, já sendo VISTO pelo Mestre, ele é o homem que “descobre a vida” com toda sua leveza e beleza, coisa que antes não via porque estava envolvido pela escuridão. É uma imagem muito rica que nos toca de modo direto se a associarmos ao drama do isolamento do qual somos vítimas numa pressuposta e mítica “sociedade da comunicação”. Em qual momento da história se teve tantas facilidades de comunicação quanto agora? Entretanto, nunca estivemos tão sozinhos!

Este episódio se justifica a partir de alguns versículos anteriores que nos informam sobre os últimos apelos de Jesus aos fariseus para que voltassem à fonte de sua religiosidade e que desembocou numa absoluta recusa por parte dos lideres. Fato pelo qual Jesus se afastou definitivamente do Templo. Foram vencidas as tentativas de Jesus em vista de um resgate das raízes religiosas dos seus contemporâneos que regiam a religião naquele tempo. Os religiosos se apresentam como piedosos, mas são cegos pelo seu rigorismo e milimetrismo litúrgico, por suas próprias idéias. Incapazes de perceberem em Jesus um modelo inovador da mesma fé! As palavras de Jesus para os que se consideram justos, não são palavras duras de um juiz, mas palavras de um mestre triste que vê todos os seus esforços esbarrarem na indelicadeza e dureza de coração: “Se fôsseis cegos, não teríeis culpa; mas, como dizeis: “nós vemos”, por causa disso a vossa culpa permanece”. Esta cegueira nasce do orgulho, do falso direito de se julgar mais santo, pela dureza de coração e pela não acolhida de tudo aquilo que é novo e mostra caminhos novos.

A pergunta que os discípulos fazem vem desafiar a nova lógica que Jesus oferece, como é possível conciliar a imagem do Deus que “faz chover sobre os bons e sobre os maus” (Mt 5,45), que convida para o seu banquete “bons e maus” (Mt 22,10) com a imagem do Deus justo que deve punir os maus? Onde está a justiça desse Deus que não castiga os maus como se encontra na própria escritura: “Sou um Deus que castiga a iniqüidade dos pais nos filhos e nos filhos dos filhos, até a terceira e quarta geração” (Ex 34,7). Como entender o sofrimento quando não somos diretamente responsáveis por ele? Porque o cego não pode pecar antes de sair do útero da mãe para que nascesse cego e muito menos conhecia o dito pecado de seus pais. 

A resposta mais popular ainda está em vigor hoje: acredita-se que o sofrimento era fruto de uma punição enviada por Deus. O cego era alguém que nem sequer sabia como era o mundo além dos sons. Como é o rosto de uma pessoa? Na verdade, o cego não sabia o que era a vida, caminhava por suas margens sem penetrar em seu íntimo. Ia passando indiferente. Para a pergunta dos discípulos, Jesus concede uma resposta que foge dos padrões conhecidos “Nem ele nem seus pais, mas isso aconteceu para que as obras de Deus se manifestem nele”, Afirmando que toda situação da nossa vida, por mais estranha que possa parecer não é vazia! Em qualquer vida, sempre haverá uma verdade a ser expressa e esta verdade é que Deus age. É em nosso cotidiano que Jesus nos encontra! É na nossa vida, seja como for que ele nos Vê! A atitude de Jesus nos lança a um cenário sacramental. Ele entra em contato com o cego por meio palavras e gestos! Hoje ele age assim conosco, faz-se sentir e toca o nosso coração.

O gesto de Jesus é repleto de significado criacional: pega o barro, sinal da fragilidade da criação. E a partir da condição frágil onde nos encontramos que Cristo faz brilhar sua Luz capaz de nos fazer ver as coisas como de fato são. A saliva de Jesus no barro é sinal da vida que ele transmite aos seus. Este é seu desejo de vida nova para todos os homens. Agora, o cego é um homem “re-criado” pela presença de Jesus. Todo ato divino de salvação envolve dois pólos: Deus que salvar e o homem que deve desejar a salvação. Por isso Jesus exige a confiança em sua palavra.“Vai te lavar na piscina de Siloé” (palavra que significa Enviado)”.

Este pedido de Jesus demonstra que tudo pode ser transformado em nossa vida quando acreditamos na Palavra de Jesus e decidimos deixar-nos “lavar”, nas águas do enviado. Este é o nosso Batismo que deve ser sempre uma resoluta entrega a Jesus e não apenas um capricho social. Entre o Templo e a Piscina se encontra um trecho a ser percorrido que é nossa própria vida na qual caminhamos ainda sem ver completamente, mas confiantes que a palavra dita por Jesus, sendo humildemente acolhida nos leva a plenitude de toda verdade que é o reconhecimento de Jesus como Salvador! O fruto deste encontro é um verdadeiro discípulo que reconhece Jesus e a ele adere, assumindo sem medo as conseqüências desta adesão. 

Assim como Jesus, o cego foi mandado embora do Templo, mas isso não significa nada para quem adquiriu a capacidade de ver tudo com os próprios olhos. Estamos no final do Evangelho diante de um homem maduro capaz de abrir mão da entrada no Templo por conta do testemunho sobre quem o curou. E justamente aqui se encontra a finalidade da nossa vida de batizados: assemelhar-nos a Jesus que nos salvou!

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