sábado, 11 de fevereiro de 2017

Quem é Jesus de Nazaré?

MANEIRAS DE PENSAR E FALAR SOBRE JESUS
Há três maneiras de pensar e de falar sobre Jesus Cristo. Duas delas não se coadunam com a fé cristã: Jesus visto como um ser humano qualquer, destituindo- o de sua divindade, e Jesus concebido apenas como Deus, esquecendo-se de sua  humanidade. A fé cristã afirma ao mesmo tempo a divindade e a humanidade de Jesus, vendo-o como Deus que se fez homem, como homem que é Deus, como o crucificado que é ressuscitado.
 Vejamos as características de cada uma destas três visões. O objetivo é ajudar o aluno a chegar à compreensão do centro da discussão cristológica, passando pela observação das atitudes e comportamentos mais diversos que o mundo de hoje tem diante de Jesus de Nazaré.
1.1. JESUS DE NAZARÉ: UM SER HUMANO QUALQUER
Um ser humano qualquer. Este é o modo de tratar Jesus próprio da maioria dos historiadores, jornalistas, repórteres, estudiosos da religião, romancistas, religiosos gnósticos. Veem Jesus como o fundador de uma nova religião, o reformador da religião judaica, um profeta de Israel, um místico, um conhecedor dos mistérios religiosos, um contestador social, um líder político, um homem bom e simples, um amigo do povo, um homem santo, um homem possuído por Deus.  
                                                             
Não falam, nem escrevem como cristãos, como pessoas de fé. Por isso, não pressupõem a divindade de Jesus de Nazaré. Às vezes, até a negam. Por negarem ou menosprezarem a divindade de Jesus, descartam as verdades da fé cristã. Todas elas se relacionam com a pessoa divina de Jesus Cristo: a pré-existência de Jesus na eternidade, a existência de um Só Deus em três pessoas, a concepção virginal de Maria, a virgindade, a consciência divina e messiânica de Jesus, a ressurreição, a oferta divina da salvação e a centralidade e unicidade de Jesus Cristo para a salvação de toda a humanidade, a origem divina e a santidade da Igreja, os meios de salvação, da Palavra e dos sacramentos, a santidade dos mandamentos e da moral cristã, a predestinação de todos à comunhão com Deus etc. Como se percebe, a rejeição da divindade de Jesus leva ao desmoronamento de todo o arcabouço do credo cristão. 
            Essa maneira de pensar e de falar sobre Jesus está muito presente nas produções da mídia, da religião, da política e da ciência de hoje. Reportagens em revistas e na televisão, filmes, romances, histórias de Jesus, entre outras produções culturais, pretendem ocupar espaço no mercado, satisfazer curiosidades e futilidades descomprometidas com engajamento religioso e com a dimensão social da prática religiosa. Não estão interessadas na dimensão divina de Jesus, nem na confissão da fé cristã. Muitas expressões religiosas atuais, como o espiritismo, a maçonaria, os movimentos gnósticos e esotéricos, a Nova Era, entre outros, embora apreciem os ensinamentos de Jesus de Nazaré como mestre espiritual, não reconhecem sua divindade. Alguns movimentos sociais e políticos, com fortes motivações para a transformação da realidade, recorrem à crítica profética de Jesus à sociedade, vendo-o apenas como um mestre na contestação política e na instauração de uma nova ordem social, e não como o único divino salvador.  
            Do mesmo modo, muitos escritos científicos, nas áreas da história, da psicologia, da sociologia, das ciências da religião, entre outras, por causa dos pressupostos do método científico, não se interessam pela divindade de Jesus. Essas produções literárias, científicas, políticas, religiosas, artísticas ou jornalísticas, despojam a pessoa de Jesus de toda a interpretação que sobre ele foi dada pela Igreja no decorrer dos dois milênios do cristianismo. Segundo os autores dessa tendência, a interpretação da Igreja está marcada por muita mitologia, jogos simbólicos, fantasias, crendices, lendas. Despojando Jesus de todo esse arcabouço interpretativo, chegaríamos ao Jesus de Nazaré tal e qual, pura e simplesmente homem. Ainda que dotado de qualidades espirituais peculiares.
O que temos a dizer sobre essa tendência?
É preciso reconhecer que há valores nesse modo de pensar e de falar sobre Jesus.  Há, aí, uma preocupação em resgatar a realidade concreta, histórica, social, política, em uma palavra, humana, da pessoa de Jesus Cristo. Como veremos adiante, a fé cristã também afirma a humanidade de Jesus. O credo cristão tem como base à existência histórica do homem de Nazaré, com suas opções e causas, seus conflitos e posicionamentos, com sua vida e morte. Mas, a negação da divindade de Jesus Cristo, como foi dito acima, põe abaixo todo o conteúdo e o sentido da fé cristã. 
         Se Jesus não é Deus, ele não pode ser o nosso salvador. Se Jesus não é Deus, a Igreja por ele fundada é apenas uma instituição humana, uma entidade filantrópica, uma agência de serviços religiosos. Se Jesus não é Deus, todas as mediações religiosas do cristianismo (sacramentos, ritos, celebrações, orações, mandamentos, virtudes etc.) são apenas invenções humanas. Se Jesus não é Deus, então, não vale a pena segui-lo, dar a vida por ele, acreditar na sua Palavra, orar a ele, dedicar-se ao anúncio e à prática de seu Evangelho.
1.2. JESUS CRISTO UM DEUS DAS ALTURAS
Embora seja mais difícil de conceber Jesus de Nazaré apenas como Deus, por causa da evidência de sua humanidade (seu corpo, sua inserção na geografia e na história humanas, e, mais concretamente, seus sofrimentos e sua morte), há pessoas e grupos, no interior do cristianismo, que insistem demasiadamente na divindade de Jesus, a ponto de esquecerem sua humanidade. 
        Este é o modo de tratar Jesus próprio de um grande número de movimentos e igrejas cristãs, notadamente as de caráter fundamentalista, que teimam em realçar as palavras e os fatos extra-ordinários de Jesus. Insistem no miraculoso e, às vezes, no fantástico. Não se dão conta de que, agindo assim, tratam da história de Jesus de Nazaré como se fosse uma peça de teatro, escrita desde toda a eternidade por Deus, dirigida pelo Pai, protagonizada por um homem, que faz o papel de Deus na história humana. 
 
Jesus seria visto como o ator de uma tragédia, uma encenação terrena que reflete a luta sobrenatural entre Deus e o diabo.  Jesus seria uma espécie de marionete, um fantoche, um robô. Desarticulado e desconectado de inserções históricas e sociais, Jesus é tratado como uma idéia, um ideal, um mito, uma representação, um simples conceito abstrato. Embora não neguem teoricamente a humanidade de Jesus, acabam por negá-la na prática. Por menosprezarem as conseqüências práticas da humanidade de Jesus, não sabem articular importantes temas da cristologia e da vida cristã. Têm dificuldades para entender e trabalhar realidades concretas da vida de Jesus: as tentações, as crises, as angústias e aflições, o desenvolvimento de Sua consciência humana, as mudanças de percurso, o crescimento na fé, o despertar para sua consciência divina e para sua missão messiânica, os condicionamentos históricos e culturais de sua mensagem e de sua prática, os conflitos com os donos da política e da religião da época, a tomada de posição ao lado dos pequenos e pobres, as mediações concretas de sua obra evangelizadora, a ignorância sobre a vinda definitiva do Reino, as dores e, o sofrimento, o grito de abandono e a morte de cruz.
Essas realidades tão humanas da vida de Jesus são vistas apenas como práticas Pedagógicas: “Jesus fez de conta que..., para nos ensinar como...”. A humanidade de Jesus seria uma peça teatral, uma paródia, uma farsa. Como se pode constatar, a rejeição prática da humanidade de Jesus, além de contradizer dados concretos e  evidentes dos evangelhos, torna sua pessoa distante e desligada da realidade  humana cotidiana e, portanto, leva ao desmoronamento de todo o arcabouço da  moral e da espiritualidade cristãs.
Essa maneira de pensar e de falar sobre Jesus está muito presente em determinados  movimentos e comunidades cristãs da  atualidade que insistem no elemento  miraculoso da salvação oferecida por Jesus Cristo. Apresentam a religião cristã como caminho de solução para todos os problemas: doenças, desemprego, crises conjugais, problemas afetivos, desordens morais, vícios etc. 
            Na linha da magia, Jesus é salvador na medida em que expulsa os demônios que
estariam impedindo a felicidade dos fiéis. A teologia da prosperidade vê Jesus como salvador na medida em que recompensa, com bênçãos e soluções de problemas, às pessoas que, abnegadamente, fazem doações à sua igreja-empresa. 
            Segundo uma recorrente escatologia da retribuição, Jesus está para voltar, em sua segunda vinda, de modo apoteótico e triunfante, para intervir na realidade e  arrebatar aos céus os seus eleitos, condenando os perversos ao fogo dos infernos.  Para uma veemente teologia do sacrifício, Jesus salva os que renunciam aos prazeres do mundo, com jejuns e penitências merecedores das boas graças do céu. 
 Para os que propõem a fuga do mundo, Jesus salva os que se refugiam nas  sacristias, em uma espiritualidade  intimista e interiorista. Segundo o  fundamentalismo religioso cristão ou um perigoso integrismo católico, Jesus salva  somente os que se inscrevem na única igreja verdadeira.
            Essas expressões cristãs despojam a pessoa de Jesus de toda a inserção na história, de todo engajamento no mundo. Desencarnam Jesus. Desligam Deus das realidades mundanas. Despojando Jesus de sua encarnação histórica e social, pretendem chegar ao Deus único, espírito perfeitíssimo, senhor absoluto, ser  supremo. Ainda que estranha e paradoxalmente marcado por vicissitudes  humanas e históricas.
O que temos a dizer sobre essa tendência?
Há valores nesse modo de pensar e de falar sobre Jesus. Há, aí, uma preocupação
em retomar e relançar o fato inédito e inaudito da presença e da ação de Deus na  história humana. Como veremos adiante, a fé cristã também afirma a divindade de  Jesus. Mas, a negação da humanidade de Jesus Cristo põe abaixo o conteúdo e o  sentido da fé cristã, naquilo que implica a prática de uma moral e de uma  espiritualidade específicas, ou seja, de um modo novo e diferente de ser humano.
Se Jesus não é verdadeiramente humano em tudo, nas tentações e fraquezas, nos
limites e condicionamentos, nos sofrimentos, crises e cruzes, próprios do ser humano, ele não pode ser o nosso salvador. 
            Se Jesus não assume nossa real e concreta humanidade, então não somos real e totalmente redimidos. Se Jesus não assume a história humana, com seus conflitos, suas exigências de posicionamentos e opções, suas mediações culturais e sociais, seus processos de desenvolvimento e de amadurecimento, então, nossa humanidade não é verdadeiramente transformada e libertada daquilo que ela tem de pecaminoso. Se Jesus não é um ser humano, então, não é possível imitá-lo e segui-lo, dar a vida como ele, praticar  a sua Palavra, dedicar-se à transformação das estruturas e à conversão das pessoas na linha de seu Evangelho.
1.3 JESUS DE NAZARÉ: O CRISTO DE NOSSA FÉ
Jesus de Nazaré é a presença e a ação de Deus em nossa história. E desse modo que os cristãos concebem e anunciam Jesus Cristo. Trata-se de um paradoxo uma aparente contradição. Ou, como disse São Paulo, um escândalo para os pagãos,  uma loucura para os judeus. Afirmar que Jesus de Nazaré, o crucificado, é o Senhor ressuscitado, o Cristo de nossa fé, é, para nós, cristãos, a sabedoria de Deus  (1 Cor 1,20-25).
            Este é o núcleo central e específico da fé cristã. É nisso que os cristãos se diferenciam de todas as outras religiões. E nisso que se unem todos os cristãos, de qualquer igreja ou denominação — católicos, ortodoxos, evangélicos, pentecostais. Nós, cristãos, cremos num homem que é Deus, num crucificado que ressuscitou.  Está claro que se ele é Deus, é porque ele já era Deus, desde sempre, desde toda a eternidade. Cremos, portanto, num Deus que se fez homem. 
            Nós, cristãos, cremos num homem que amou até o fim (Jo 13,1), que pagou com a morte a promoção e a defesa da vida dos marginalizados, que morreu por amor de seus irmãos, que foi vítima inocente na mão de gente ímpia (At 2,23). Esta nossa fé é confirmada pela ressurreição. Aquele que tinha tanto amor para dar (Jo 15,13), que era o senhor da vida (Jo 10,18; 14,6), que veio trazer vida em abundância (Jo 10,10), não podia permanecer na morte. Tão humano assim, só pode ser Deus. A morte não tinha poder sobre ele (Rm 6,9). Ao assumir a morte, ele a derrotou. O crucificado ressuscitou. Ao assumir os pecados de seus assassinos e de todos os seres humanos, ele os perdoou e os queimou no fogo de sua misericórdia. Tão humano assim, só Deus pode ser.  
            Quem ressuscitou foi aquele que se predispôs à morte. O ressuscitado não caiu do céu, não é um mito, um ator de uma peça de teatro, mas é alguém que morreu por uma causa, na fidelidade a um projeto, por causa do Reino que anunciou e iniciou.  A fé cristã se baseia neste escândalo: o crucificado é o ressuscitado, o ressuscitado é o crucificado.
              Nossa fé em um crucificado-ressuscitado (1 Cor 2,2; 2 Cor 13,4), que assumiu e
venceu a morte, e, nela, todas as maldades dos pecadores e todos os limites da humanidade, é confirmada pela exaltação e glorificação desse homem como Deus. Mas, aquele que foi exaltado é aquele que havia descido (Fl 2,6-11), que viera a nós, que havia se encarnado em nosso meio (Jo 1,14), que quisera ser Deus - conosco (Mt 1,22-23). A fé cristã se baseia neste escândalo: este homem é Deus, este Deus fez-se homem.
            Crucificado-ressuscitado, homem-Deus. Trata-se de uma identidade na contradição. Jesus de Nazaré é o Cristo da nossa fé. O Senhor da história, o Cristo de nossa fé, nosso único Salvador, o Deus de nossas vidas, é Jesus de Nazaré. Trata-se de uma identidade: o morto está vivo, o crucificado é o ressuscitado, este homem é verdadeiramente Deus. Mas, na contradição: Como pode um homem ser Deus? Como pode um morto ressuscitar?  E precisamente este escândalo, este paradoxo, esta tensão, o centro de nossa fé. E o que desenvolveremos a seguir.

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