terça-feira, 30 de setembro de 2014

Diaconato de Augusto Manoel






“Sejam misericordiosos, prestativos e fiéis à verdade do Senhor, que se fez servidor de todos” (São Policarpo).

          
O exercício do ministério diaconal, tão importante para a vida e missão da Igreja, aparece com particular destaque desde a era apostólica. Encontramos o evento inaugural deste ministério em Atos dos Apóstolos 6, 1-6 em que narra a instituição de sete homens “repletos de espírito e sabedoria”, encarregados das tarefas sócio-caritativas. Daí se nota que o nome diácono vem de diaconia que significa serviço, que por sua vez é o fundamento da comunidade cristã.

O magistério da Igreja, de modo particular na Lumen Gentium n° 29, nos ensina que a natureza deste ministério se configura na tríplice missão que é o serviço ao povo de Deus na diaconia da liturgia, da palavra e da caridade. Dentro do rito de ordenação, a validade do ato está na imposição das mãos feita pelo bispo e a oração consecratória em que ele diz: “Enviai sobre eles, Senhor, nós vos pedimos, o Espírito Santo, que os fortaleça com os sete dons da vossa graça, a fim de exercerem com fidelidade o seu ministério”.

A fidelidade ao ministério se dá primeiramente na fidelidade ao Cristo. Nas palavras de santo Inácio de Antioquia, o múnus que o diácono exerce é o próprio ministério de Cristo. Por isso que são Policarpo adverte na frase acima citada que tenhamos em nós o dom da misericórdia e da disponibilidade imitando Àquele que se fez servidor de todos. 

Diante desta motivação de cunho teológico percebemos a grandeza deste ministério e temos a clara convicção daquilo que Deus nos confiou. É de uma beleza toda particular chegarmos ao final de uma etapa formativa e refletir tudo aquilo que recebemos ao longo desta caminhada vocacional. Preparando-nos para a recepção do Sacramento da Ordem, o nosso coração e a nossa mente estão totalmente voltados para o Primeiro Amor. 

Há mais de dez anos Augusto Manoel deixou a casa paterna para dizer um Sim a Deus, consagrando a vida em prol da humanidade.  Deus nos oferece vários caminhos e conhece cada um de nós. Conhecendo o coração ele convida e acompanha, conduz e fortalece. 

Desejamos que o início desta nova etapa seja favorável para edificação da Igreja e sua própria santificação! 

Que Deus lhe abençoe sempre e as mãos do Pastor Cristo Jesus derramem incontáveis bênçãos a seu favor!






segunda-feira, 22 de setembro de 2014

A Mariologia do Evangelho de Marcos



O Evangelho segundo São Marcos é o mais antigo, foi escrito entre os anos 66 – 73 d.C. A “mariologia” apresentada nesse Evangelho é ainda minúscula. São Marcos faz apenas duas referências diretas à pessoa de Maria: Mc 3, 31-35 e Mc 6,1-3. Há pessoas que tomam esses textos procurando legitimar certa depreciação da Virgem Maria. No entanto, essa interpretação não se sustenta quando lemos estes textos conjuntamente: Mc 3, 31-35:

Nisso chegaram a mãe e os irmãos de Jesus. Ficaram do lado de fora e mandaram chamá-lo. Ao seu redor estava sentada muita gente. Disseram-lhe:’Tua mãe e teu irmãos e irmãs estão lá fora e te procuram’. Ele respondeu: ‘Quem é minha mãe ? Quem são meus irmãos?’ E passando o olhar sobre os que estavam sentados ao seu redor, disse: ‘Eis minha mãe e meus irmãos! Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe

Nesta passagem, o evangelista mostra-nos Jesus afastando-se de sua família de sangue e dando ênfase a um parentesco espiritual, e indica que esse novo parentesco fundamenta-se na busca em fazer a vontade do Pai. Esta temática será aplicada a Maria que primeiro cumpriu vontade de Deus fazendo-se serva do Altíssimo (cf. Lc 1, 38). De qualquer modo, não há nada na seguinte passagem que indique que Jesus tenha rechaçado sua mãe como se ela não realizasse a vontade de Deus, o essencial é a ruptura com a mentalidade de família sustentada por laços de sangue. Em Mc 3, 20s, vemos que família de Jesus o considera enlouquecido mediante tudo o que ele vem realizando. Isto justifica o fato da família ir ao seu encontro, mas não se misturar com a multidão. Duas vezes se diz que a família estava do lado de fora e uma vez se afirma que a família é quem está sentado aos pés de Jesus escutando e crendo em sua palavra.
A outra passagem do Evangelho segundo São Marcos é: 

Saindo dali, Jesus foi para sua própria terra. Seus discípulos o acompanhavam. No sábado, ele começou a ensinar na sinagoga, e muitos dos que o ouviam se admiravam “De onde lhe vem isso?’ diziam. ‘Que sabedoria é esta que lhe foi dada? E esses milagres realizados por suas mãos? Não é ele o carpinteiro, filho de Maria, irmão de Tiago, Joset, Judas e Simão? E suas irmãs não estão aqui conosco?’ E ele se tornou para eles uma pedra de tropeço (Mc 6, 1-3). 

Aqui Jesus é rejeitado pelos seus, por aqueles que o conheciam provavelmente desde criança, afinal ele não é ninguém mais do que o filho de Maria . De acordo com Dom Murilo Krieger o que aconteceu foi que “o conhecimento de Jesus segundo a carne ofusca o conhecimento segundo o Espírito”. A Expressão filho de Maria significaria: “o que tem ele de especial, afinal ele não é um de nós, uma pessoa qualquer?” São Marcos apresenta-nos Maria, sobretudo como mãe que se preocupa e teme pelo que possa vir a acontecer com seu filho amado uma vez que não entende o que ele está a realizar. É um erro supor – como muitos fazem – que Maria tinha conhecimento de tudo que ia acontecer e como aconteceria. 

Ela é uma mulher de fé que caminhava na fé, mesmo sem compreender tudo de maneira absoluta, afinal ela não é deusa. É natural sua preocupação humana, mas isso em nada desabona ou denigre Maria, ao contrário mostra-nos que ela foi uma mulher que amava e desejava o melhor para o seu Filho e ao mesmo tempo, apesar de não entender tudo, permanece, pela fé, fiel aos desígnios de Deus.

Cabe-nos ainda uma atenção aos chamados irmãos de Jesus. 

Na linguagem bíblica, "irmão" é freqüentemente usado em lugar de primo, sobrinho, tio, parente. Por ex. em Gn 13,8 Abraão diz a Ló: "Somos irmãos," enquanto de Gn 11,27-31 consta claramente que Ló era filho de Aran irmão de Abraão, portanto seu sobrinho. Também Labão, em Gn 29,15 fala a Jacó: "Por seres meu irmão, servir-me-ás de graça? Mas em Gn 27,43 e 29,10-11 Labão é declarado irmão de Rebeca, mãe de Jacó, e tio dele.
 
Os evangelistas Mateus e Marcos, (em Mt 13,55 e Mc 6,3) enumeram como "irmãos de Jesus": Tiago, (filho de Alfeu ou o filho de Zebedeu? Independente de qual escolhamos não pode ser filho sanguíneo de Maria uma vez que possuiriam pais diferentes de José)  José, Judas (Tadeu ou iscariotes) e Simão (Filho de João? Mt 16,13-16) : Porém, na cena da crucificação de Jesus, João Evangelista coloca debaixo da cruz: "Sua Mãe, a irmã de sua Mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena". Em Mt 27, 55-56, ali se acrescenta, que esta outra Maria (irmã de Jesus) era mãe de Tiago, o Menor, e de José. Estes últimos eram, portanto sobrinhos de Maria mãe de Jesus, e primos de Jesus (Jo 19,25 e Mc 15,40 ). Ora, Judas (Tadeu) Apóstolo, declara-se, no início de sua carta apostólica ( Jd 1,1 ) "Judas", servo de Jesus Cristo, e irmão de Tiago". O mesmo se dá com Simão Apóstolo.

Como fidelíssimo observador da Lei de Moisés, Jesus não podia, na hora de sua morte na cruz, confiar sua Mãe a João Apóstolo (Jo 19,26), mas devia a tê-la confiado ao filho mais idoso dela, se ela de fato os tivesse. Conseqüentemente, os "irmãos” (primos, parentes) de Jesus, tão freqüentemente mencionados nos escritos do Novo testamento, nunca são chamados filhos de Maria, nem filhos de José, confirmando a tradição apostólica.


sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Como Jesus suportou a violência?


Às vezes esquecemos que Jesus suportou situações de violência e desespero que pareciam não ter futuro. Sentiu o peso de uma realidade sócio-econômica quebrada e sofreu as consequências da violência religiosa e política (Mc 14,1). Porém, Ele nunca deixou de acreditar que poderia tornar esta Terra como o Céu (Mt 6,10), para desfrutar da qualidade de vida existente no “Reino de Deus” (Lc 11,2). Surpreenda-se, mas esta esperança simbólica veio de um relacionamento profundo com Deus e por um autêntico serviço aos pobres e a tantas pessoas cansadas de lutar nesta vida.

Enquanto representantes políticos e religiosos, famílias, proprietários de terras e muitas pessoas de poder colocam somente cargas pesadas para levar sobre os ombros, este indivíduo de Nazaré nos convida a assumirmos como homens e mulheres de espírito, ou como pessoas que pretendem construir espaços para que outros possam estar presentes em seus pensamentos, orações, ações. É Ele que nos convida para que o cansaço, a angústia e a exaustão que consomem a nossa vontade e a nossa compreensão não sejam obstáculos para descobrir que aquele que está diante de nós é um irmão, um autêntico tesouro, um bem do Pai Eterno.

Somente deste modo surgirá aquele impulso vital que vai levantar os nossos vasos de barro (2 Cor 4,7), e permitirá vislumbrar um futuro onde iniciaremos a nos humanizar no encontro com o outro, partindo do serviço fraterno, recíproco, para que cada pessoa mereça os seus bens mais preciosos a favor da causa do outro. Aquilo que era um peso não pesará mais, porque não o levaremos sozinhos, mas sim no serviço e no sustento recíproco, de modo que pensemos, rezemos e busquemos soluções juntos, como irmãos, e não mais nos trataremos como inimigos, ou desconhecidos.

Fazer as coisas como fez Jesus não é uma coisa exclusiva dos cristãos. A sua opção de vida é patrimônio de todo e o seu estilo, é paradigma de humanidade porque nos faz conhecer um modo mais humano de ser, algo que não se alcança mediante o vazio absoluto do próprio ser, com a superação dos pensamentos negativos, ou distanciando-se de supostos pecadores. Não chegamos nem mesmo através da ilusória convicção de superar o imediato e não olhar aquilo que acontece ao nosso redor.

Uma vida que segue o exemplo de Jesus passa pelo assumir o presente histórico como uma realidade escatológica, ou capaz de construir relações transcendentes que nos afirmam e autodeterminam como sujeitos realmente humanos; passa pela recriação das nossas palavras e relações incluindo nisso aquilo que vivo, penso e sofro. Deste modo entendemos que a liberdade se encontra também naquele que está diante de mim, com suas dores e seus limites, com suas riquezas e potencialidades, com sua saúde e doenças, porque antes de tudo é meu irmão. 


http://www.aleteia.org/pt/religiao/artigo/como-jesus-pode-suportar-a-violencia-e-o-desespero-5784845263306752

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Os pobres, grande tesouro da Igreja

Recordando o título de um dos livros mais belos que já li na juventude, “Sabedoria de um pobre”, de Eloy Lecrerc, sobre a vida interior de São Francisco de Assis, eu me convenço cada dia mais de que a pobreza (não a miséria, como explica o Papa Francisco) é uma bênção.

Sobretudo a pobreza espiritual, essa da qual muitos ricos fogem, tentando afogá-la no sucedâneo das riquezas materiais, e que consiste em saber enfrentar as provações da vida com humildade, paciência, austeridade, simplicidade e caridade.

Os pobres são o grande tesouro da Igreja porque os pobres são os seus santos, seus bem-aventurados, seus baluartes. E se a Igreja opta por eles preferencialmente, não é por pena ou compaixão, como muitos acreditam, mas porque são o melhor que ela tem.

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Os ricos, no entanto, esses sim às vezes são atendidos pela Igreja com pena, porque costumam não se libertar do seu persistente autoengano, que os leva a ser altivos e exigentes demais.

Nas flores de São Francisco de Assis surgiram muitas histórias, literariamente maravilhosas e espiritualmente estimulantes, que nos fazem adentrar nesse grande mistério evangélico da pobreza dos ricos e da riqueza dos pobres, da qual São Francisco foi o mestre mais sábio.

Conta o santo que um dia, conversando com Frei Leão sobre a perfeita alegria, depois de mencionar todas as coisas deste mundo que não a dão, disse-lhe:

- Agora, quando chegarmos a Santa Maria dos Anjos e batermos à porta do lugar, o porteiro virá bravo e nos dirá: “Quem são vocês?”. E, quando dissermos: “Somos dois dos seus irmãos”, ele responderá: “Vocês estão mentindo: são dois ladrões que andam por aí enganando e roubando as esmolas dos pobres. Fora daqui!”. Ele não abrirá a porta e nos fará ficar do lado de fora, no meio da neve, da água e do frio, com fome, até que a noite chegue. Então, se diante de tanta injúria, tanta crueldade e tantos vitupérios, nós nos apoiarmos mútua e pacientemente, sem turbar-nos e sem murmurar contra ele, ó Frei Leão, nisso estará a perfeita alegria!

Nesta fraternidade dos pobres, em meio a penúrias e dissabores, mas abençoados pelo verdadeiro segredo da felicidade, que é o amor, esconde-se o maior tesouro, a maior riqueza. Como dizia Pedro Casaldáliga, “não ter nada, não levar nada, não pedir nada, não matar nada e esperar tudo de Deus”.


http://www.aleteia.org/pt/estilo-de-vida/artigo/os-pobres-grande-tesouro-da-igreja-5854980292476928

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Quando chegou a Plenitude dos tempos



“Quando chegou a plenitude dos tempos Deus enviou seu Filho nascido de mulher!” Gl 4, 4


Que é que Paulo quis dizer com “plenitude do tempo”? Que é que esse momento tem de tão especial para ser considerado pelo apóstolo como o tempo (kairós) de Deus? Quais condições determinaram o envio do Filho? A essas perguntas tentaremos responder. O significado da expressão “plenitude do tempo” não é ponto pacífico entre os exegetas do Novo Testamento.  O termo “plenitude do tempo” na passagem de Gl 4,4 explicando ainda que se trata do “tempo determinado” por Deus para seus filhos menores tornarem-se herdeiros adultos. A Bíblia do Peregrino, por sua vez,  “Mas quando se cumpriu o prazo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei”. Todavia, essa diferença de tradução auxilia-nos a encontrar a real intenção de Paulo ao escrever esse verso. “Plenitude do tempo” e “cumpriu o prazo” dão-nos a ideia de momento certo, ideal e esperado. O termo grego que traz em seu bojo esses significados é kairoi (kairós).

Kairós – Vocábulo grego que significa tempo. Como encontrado no Novo Testamento, exprime não apenas um dado cronológico, mas, acima de tudo, a ação de Deus no universo, que, de acordo com os seus atributos morais e a absolutos, trabalha os tempos e as estações para que todos os seus planos e conselhos tenham plena consecução (1Ts 5,1). Kairós é o tempo de Deus. Oscar Cullmann explica-o da seguinte forma: “O que caracteriza o emprego de kairós é que ele designa no tempo um momento determinado por seu conteúdo”.   No Novo Testamento o uso do termo kairoi é aplicado à história da salvação. O termo não se refere a estimativas humanas, é um decreto divino que faz desta ou daquela data um kairós, e isso em vista da realização do plano divino da salvação, o qual se dá porque tal plano, em sua realização, está ligado aos kairoi, aos momentos escolhidos por Deus, que é uma história da salvação.

Respondemos às duas primeiras perguntas levantadas no início. Resta apenas uma: “Quais condições determinaram o envio do Filho?” O cristianismo não é um evento isolado do mundo, ele surgiu num tempo determinado, num contexto geopolítico singular e em condições históricas propícias que serviram como pano de fundo para a afirmação da sua influência. É exatamente nesse pano de fundo (Cristo e o contexto histórico em que nasceu) que podemos encontrar as melhores evidências e os melhores vestígios da atuação divina que transformou e deu forma à natureza e mensagem da Igreja cristã.

A primeira observação que devemos fazer é: Jesus é um evento histórico, ou seja, ele viveu durante um certo intervalo de tempo e nesse mundo em que nascemos, vivemos e morremos até hoje. Não é exatamente isso que nos mostra o evangelista Lucas. Na verdade, ele buscou situar a pessoa histórica de Jesus dentro de limites temporais. Segundo ele, Jesus de Nazaré nasceu sob o governo do imperador Augusto (Lc 2,1). Como podemos observar em Mc 1,15 e Gl 4,4, existe uma delimitação temporal de um conjunto de condições históricas, políticas, econômicas, sociais e geográfi cas, às quais, para eles, propiciaram a encarnação do Verbo, constituindo assim, como vimos, o kairós de Deus. Esses textos revelam que Jesus Cristo não nasceu numa época qualquer, mas ao chegar a “plenitude dos tempos”. Como as profecias messiânicas não apontam para uma data da vinda do Messias, não se pode interpretar esses textos como fazendo alusão ao cumprimento de uma profecia específica. O que se pode supor é uma linha com uma profecia de Daniel.  De acordo com os estudiosos, a interpretação adequada de “plenitude dos tempos” é: “tempo certo”, “momento ideal”, “ocasião propícia” designada por Deus, mas não revelada nas profecias escritas.

Assim, temos a seguinte definição técnica para a expressão “plenitude dos tempos”: época ou contexto histórico cuja realidade (acontecimentos) foi muito favorável ao objetivo da vinda de Cristo ao mundo, que é a anunciação e propagação universal do Evangelho. A natureza dessa realidade é a uniformização política propiciada pelo sistema administrativo do Império Romano, somadas as contribuições religiosas, dos judeus, e culturais, dos gregos, que já faziam parte desse ambiente mundial. Essas três civilizações trouxeram grandes contribuições para a ocorrência do evento central e único da linha da salvação durante o Império Romano do séc I. Roma influenciou na política,os gregos na questão intelectual e os judeus na religiosidade.

Os romanos

Como já sabemos, os romanos influenciaram politicamente os povos sob seu domínio. A seguir, algumas contribuições prestadas por Roma à difusão do cristianismo:

• domínio mundial de Roma;
• os povos unificados por uma língua universal;


Domínio mundial de Roma

Quando o cristianismo surgiu, e durante os primeiros séculos de sua existência, os romanos eram os senhores do mundo. O objetivo dos romanos era ter a supremacia sobre toda a costa do Mediterrâneo, com a finalidade de, nos meses de inverno, terem uma rota segura até o Egito (celeiro do império). Em vista disso, conquistaram todos os povos entre Roma e o Egito, portanto, circundaram o Mediterrâneo. Eduard Lohse descreve assim a empreitada territorial romana:

Após sua vitória no encarniçado conflito com Cartago, os romanos deram, a partir da metade do século II a.C., crescente atenção à Grécia e ao Oriente. Em seu encontro com o helenismo, assimilaram a arte e a ciência dos gregos, estendendo, ao mesmo tempo, cada vez mais seu poder, por meio de sucessos políticos. No século I a. C., a Síria e a Palestina submeteram-se à tutela romana. Com isso, todo o leste da região mediterrânea estava sob o domínio dos romanos, que se tornaram os sucessores gregos em todos os lugares.

A importância de conhecer-se a extensão do domínio romano é que, como podemos notar, o cristianismo, durante os três primeiros séculos de existência, não ultrapassou os limites do Império Romano. Não só isso. Como o professor de História da Igreja Robert H. Nichols nos lembra, os romanos não dominaram apenas pela força todas essas regiões. Eles possuíam uma administração eficaz e inteligente, pois onde quer que estendessem o seu domínio, eles levavam uma civilização incomparavelmente superior à anteriormente existente naquelas terras.

Unificação dos povos

Por muitas eras, governos separados tinham formado grupamentos humanos que se sentiam diferentes e isolados de todos os grupos; mas, com o Império Romano, os povos unificaram-se, no sentido de que todos os governos tinham sido derrubados e um poder único dominava em toda parte. Os romanos, como nenhum outro povo até então, desenvolveram um sentido da unidade da espécie sob uma lei universal. Essa unificação foi possível graças à administração centralizada que Roma outorgava aos povos sob o seu domínio. Existiam províncias diretamente subordinadas ao imperador e outras subordinadas ao senado. As províncias subordinadas ao imperador eram administradas por governadores indicados pelo próprio César. As subordinadas ao senado também eram administradas por governadores, entretanto esses eram escolhidos pelo senado, que enviava regularmente procônsules a fim de fiscalizarem os referidos territórios. Uma situação estranha e que está relacionada diretamente a Palestina eram os chamados “principados aliados”, os quais eram administrados por príncipes que deveriam possuir a aprovação de Roma. Gozavam de um grau maior de autonomia, contudo, ao menor sinal de descontrole, eram visitados por procuradores de Roma com o objetivo de supervisionar o território.

Língua universal

O Império Romano era um Estado cosmopolita, em cujo extenso território, com suas fronteiras defendidas pelas armas, a cultura greco-romana podia desenvolver-se sem obstáculos, e aos poucos formou uma nova unidade. Em todo o Oriente do império, e também em grandes partes do Ocidente, falava-se e entendia-se o grego, que se tornara a língua geral da região mediterrânea desde os tempos de Alexandre Magno. A partir de um desenvolvimento e de uma simplificação da língua ática, falada em Atenas no tempo dos poetas trágicos e de Platão, nascera a assim chamada koinê, ou dialeto “comum”. Era usada para todos os fins no intercâmbio popular. Quem quer que a falasse seria entendido em toda parte, especialmente nos grandes centros, onde o cristianismo foi primeiramente implantado. Os primeiros missionários pregaram quase sempre nessa língua, e nela foram escritos os livros neotestamentários.

Mas não era em todos os lugares que se falava e se escrevia essa língua gramaticalmente correta. Também se misturavam nela palavras de línguas orientais e latinas. Todo mundo, porém, na medida do possível, se esforçava por dominar o grego, a fim de não ser contado entre os bárbaros, que eram vistos com desprezo, porque sua língua parecia uma série de sons incompreensíveis (bar-bar); e todos queriam possuir uma pequena porção da cultura dos gregos.

Entretanto, devemos considerar que o koinê era, também, um dialeto urbano. Nas aldeias da Galiléia, o aramaico presumivelmente ainda era a língua dominante. Quando o cristianismo, em suas formas urbanas, eventualmente penetrava nas culturas das aldeias, os documentos gregos precisavam ser traduzidos para as línguas autóctones, inclusive, ironicamente, o aramaico, agora um dialeto falado na região da Síria. Renan também observou essa característica do mundo romano e até o relacionou ao fato de os camponeses serem os últimos a se tornarem cristãos, pois o grego não tinha conseguido suprir os dialetos locais.

Em que isso contribuiu para o cristianismo? O Evangelho universal precisava de uma língua universal para poder exercer um impacto real sobre o mundo.  Ao surgir o cristianismo, os povos que habitavam as regiões do Mediterrâneo tinham sido profundamente influenciados pela cultura helênica, a qual tinha seu lugar nas cidades do império onde se concentravam o comércio e o trânsito, possibilitando a aquisição de riquezas e o desenvolvimento de uma vida de bem-estar.



Os judeus

Por mais importantes que as contribuições de Atenas e Roma, como pano de fundo histórico, tenham sido para o cristianismo, as contribuições dos judeus formam a herança do cristianismo. O cristianismo pode ter se desenvolvido no sistema político de Roma e pode ter encontrado o ambiente intelectual criado pela mente grega, mas seu relacionamento com o judaísmo foi muito mais íntimo. Nichols diz que os judeus prepararam o “berço do cristianismo”, fizeram os preparativos para seu nascimento e alimentaram-no na sua primeira infância. Abaixo estão elencadas as contribuições dos judeus para o desenvolvimento do cristianismo:

• monoteísmo;
• esperança messiânica;
• sistema ético;
• filosofia da história;

Monoteísmo

O monoteísmo judaico apresenta algumas distinções do monoteísmo cristão. O monoteísmo judaico preparou os povos pagãos para o cristianismo. Isso foi um “atalho” para a difusão da religião cristã. Lohse faz uma descrição do monoteísmo judaico:

O judaísmo não conhece uma dogmática desenvolvida, nem uma confissão de fé, contendo uma resumida doutrina de Deus. Falar de Deus significa, para o judaísmo, falar de sua Lei, pela qual se pronunciavam a vontade e o mandamento de Deus. Qualquer coisa que o judeu experimenta na vida diária compreende-a como dom de Deus. Acontece algo bom, ele tem razão para alegrar-se. Ao comer e beber, o judeu profere uma oração de agradecimento. Deus proclamou sua vontade pela palavra, não existe outra fonte de revelação, senão a palavra. Deus está muito longe dos seres humanos porque é o Santo que governa o mundo inteiro. Ele
entra em contato com o mundo somente por meio de seres intermediários, não de forma imediata. A idéia do futuro julgamento de Deus determina a fé e a ação do judeu piedoso, que sabe, a partir da Lei de seu Deus, o que deve fazer aqui na terra e o que lhe será perguntado no julgamento. É tarefa do ser humano obedecer a Deus e agir conforme sua vontade.

O judaísmo contrastava flagrantemente com a maioria das religiões pagãs, ao fundamentar-se num sólido monoteísmo espiritual.

Esperança messiânica

Os judeus ofereceram ao mundo a esperança de um messias que estabeleceria a justiça na terra. Tal esperança messiânica estava em claro antagonismo com as aspirações nacionalistas pintadas por Horácio (65-8 a. C.) no poema em que descreve um rei romano ideal que haveria de vir — o fi lho que nasceria a Augusto. A esperança de um messias tinha sido popularizada no mundo romano a partir desta firme proclamação pelos judeus.

Apesar da diversidade das versões sobre o messias e o tempo da salvação, todas elas tinham em comum a aparição do ungido de Deus como regente e juiz que poria termo à humilhação de Israel, expulsaria os pagãos e fundaria o reino da glória. Notamos como essa esperança messiânica, além de influenciar a mensagem de Jesus, modifica também a relação de algumas correntes de pensamentos (ex: gnose) com o cosmo. Essa propagação do “sonho” messiânico pelo Império Romano contribuiu, em parte, para o cristianismo, em razão de preparar aqueles que mais tarde iriam abraçar a nascitura religião no mundo gentílico. É importante, também, perceber que a transplantação dos judeus para outras partes do mundo levou à decadência do culto javista, denunciada e combatida nos escritos dos profetas menores. Graças ao ministério desses profetas, foi retomado um despertar espiritual baseado na esperança da vinda do Messias restaurador (um rei político vencedor, que castigaria os pagãos e exaltaria os judeus) e na fidelidade e obediência à vontade de Deus.

Sistema ético

Na parte moral da lei judaica, o judaísmo também ofereceu ao mundo o mais puro sistema ético de então. O elevado padrão proposto nos Dez Mandamentos chocava-se com os sistemas éticos prevalecentes e com práticas por demais corruptas dos sistemas morais pelos quais se pautavam.



A filosofia da História

A filosofia da história substantiva está preocupada com os eventos e pessoas da história. Seu objetivo principal é compreender como os eventos da história passada podem ser arranjados de tal forma a indicar a maneira pela qual eventos futuros irão ocorrer. Grande parte da metodologia dessa disciplina consiste em ordenar os eventos do passado num padrão que demonstre a relação entre esses eventos. Uma vez que tal padrão é estabelecido, os eventos futuros podem ser preditos aplicando esse padrão no tempo futuro. Ademais, a filosofia da história substantiva procura estabelecer a significância de um evento dentro do contexto de toda a história. A filosofia da história analítica difere da filosofia da história substantiva no ponto em que seu objeto é muito mais os documentos históricos do que os eventos registrados nesses documentos. Essa disciplina não é preditiva, uma vez que sua única preocupação são os registros de eventos passados. Seus objetivos principais são compreender como os historiadores perceberam os eventos passados e como eles registraram tais eventos.

Em suma, a filosofia da história analítica busca determinar significado na historiografia enquanto a filosofia da história substantiva busca determinar o significado de toda a história. Os judeus tornaram possível uma filosofia da história por insistirem que a história tem significado. Eles se opuseram a toda e qualquer visão que deixasse a história sem significado, como uma série de círculos ou como processo de evolução linear. Eles sustentavam uma visão linear e cataclísmica da história, na qual o Deus soberano, que criou a história, iria triunfar sobre a falha do ser humano na história para trazer uma era dourada.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Quem eram os destinatários do Evangelho de São Mateus?

O autor deste Evangelho é uma pessoa que se encontrava frente de uma comunidade viva; conhecia quais eram as suas inquietudes, deficiências, meio cultural, como refletiam, e soube falar de Jesus numa linguagem que todos podiam captar.

Diz-se que o Evangelho de Mateus surgiu por volta do ano 80, numa comunidade da Palestina ou Síria (talvez Antioquia), formada por judeus que tinham aceitado Jesus. Isto pode-se ver através de alguns indícios:

· Mateus 5, 23-24 – É o único Evangelho que reproduz esta fala do Senhor: “Se fores apresentares uma oferta sobre o altar…”. Supõe-se que os destinatários do Evangelho iam ao Templo de Jerusalém para oferecer sacrifícios.

· Mateus 24, 20 – (comparar com Marcos 13, 18); Só Mateus supõe, que para os seus leitores, uma fuga, pode ser problemática em dia de sábado.

· Quando fala das sinagogas dos judeus, diz sempre: “As sinagogas deles” (4, 23; 9, 35; 10, 17; 12, 9), como se houvessem outras, isto é, “as nossas”. Os destinatários do Evangelho reúnem-se em sinagogas.

Era uma comunidade que manejava muito bem a Sagrada Escritura, em que se pregava usando o Antigo Testamento. Era ainda uma comunidade que tinha as mesmas preocupações do povo judeu desse tempo: a vinda do Reino dos Céus e a chegada do Messias. Isso explica algumas das características do Evangelho: Mateus remete constantemente o leitor ao Antigo Testamento. Algumas vezes de forma explícita, narrando algum feito: “Isto aconteceu para que se cumprisse a Escritura, que diz…”. Mas a maioria das vezes não acontece assim. Ele já sabe que a sua gente conhece a Sagrada Escritura, e basta-lhe introduzir frases, feitos ou formas de linguagem que para os seus ouvintes eram familiares, para suscitar-lhes a lembrança de algum texto do Antigo Testamento.