segunda-feira, 30 de junho de 2014

Pequena catequese sobre a Eucaristia - Parte III



Se a Eucaristia edifica a Igreja e a Igreja faz a Eucaristia,  consequentemente há entre ambas uma conexão estreitíssima, podendo nós aplicar ao mistério eucarístico os atributos que dizemos da Igreja "una, santa, católica e apostólica". Também a Eucaristia é una e católica; e é santa, antes, é o Santíssimo Sacramento. Mas é principalmente sobre a sua apostolicidade que agora queremos concentrar a nossa atenção.

Quando o Catecismo da Igreja Católica explica em que sentido a Igreja se diz apostólica, ou seja, fundada sobre o testemunho de fé dos Apóstolos, individua na expressão um tríplice sentido. O primeiro significa que a Igreja "foi e continua a ser construída sobre o 'alicerce dos Apóstolos' (Ef 2, 20), testemunhas escolhidas e enviadas em missão pelo próprio Cristo". Ora, no caso da Eucaristia, os Apóstolos também estão na sua base: naturalmente o sacramento remonta ao próprio Cristo, mas foi confiado por Jesus aos Apóstolos e depois transmitido por eles e seus sucessores até nós. É em continuidade com a ação dos Apóstolos e obedecendo ao mandato do Senhor que a Igreja celebra a Eucaristia ao longo dos séculos.

O segundo sentido que o Catecismo indica para a apostolicidade da Igreja é este: ela "guarda e transmite, com a ajuda do Espírito Santo que nela habita, a doutrina, o bom depósito, as sãs palavras recebidas dos Apóstolos". Também neste sentido a Eucaristia é apostólica, porque é celebrada de acordo com a fé dos Apóstolos. Diversas vezes na história bimilenária do povo da nova aliança, o magistério eclesial especificou a doutrina eucarística, nomeadamente quanto à sua exata terminologia, precisamente para salvaguardar a fé apostólica neste excelso mistério. Esta fé permanece imutável, e é essencial para a Igreja que assim continue.
Por último, a Igreja é apostólica enquanto "continua a ser ensinada, santificada e dirigida pelos Apóstolos até ao regresso de Cristo, graças àqueles que lhes sucedem no ofício pastoral: o Colégio dos Bispos, assistido pelos presbíteros, em união com o Sucessor de Pedro, Pastor supremo da Igreja". Para suceder aos Apóstolos na missão pastoral é necessário o sacramento da Ordem, graças a uma série ininterrupta, desde as origens, de Ordenações episcopais válidas. Esta sucessão é essencial, para que exista a Igreja em sentido próprio e pleno.

A assembleia que se reúne para a celebração da Eucaristia necessita absolutamente de um sacerdote ordenado que a ela presida, para poder ser verdadeiramente uma assembleia eucarística. Por outro lado, a comunidade não é capaz de dotar-se por si só do ministro ordenado. Este é um dom que ela recebe através da sucessão episcopal que remonta aos Apóstolos

Se a Eucaristia é centro e vértice da vida da Igreja, é também igualmente do ministério sacerdotal. Por isso, com espírito repleto de gratidão a Jesus Cristo nosso Senhor, volto a afirmar que a Eucaristia é a principal e central razão de ser do sacramento do Sacerdócio, que nasceu efetivamente no momento da instituição da Eucaristia e juntamente com ela. Da centralidade da Eucaristia na vida e no ministério dos sacerdotes deriva também a sua centralidade na pastoral em prol das vocações sacerdotais. Primeiro, porque a oração pelas vocações encontra nela o lugar de maior união com a oração de Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote; e, depois, porque a solícita atenção dos sacerdotes pelo ministério eucarístico, juntamente com a promoção da participação consciente, activa e frutuosa dos fiéis na Eucaristia, constituem exemplo eficaz e estímulo para uma resposta generosa dos jovens ao apelo de Deus. Com frequência, Ele serve-Se do exemplo de zelosa caridade pastoral dum sacerdote para semear e fazer crescer no coração do jovem o germe da vocação ao sacerdócio.
 

domingo, 29 de junho de 2014

Eu estou com Pedro e com Cristo



Não quero entrar em polêmica com ninguém, no entanto, não posso deixar passar despercebido a piada de gosto muito ruim que atenta contra o espírito fraterno que deveria unir as pessoas. Religião serve para religar as pessoas a Deus e entre si. Quando uma religião separa as pessoas, não serve a Cristo. Mas onde estará a Igreja? Onde estará a religião de Jesus? Voltemos então para a afirmação de Cristo dita a Pedro: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja”(cf Mt 16,13-19). Ora, se Cristo falou de “Minha Igreja” é justo perguntar: onde encontrar a Igreja de Cristo? Terá ela evaporado, de modo que qualquer um pode agora fundar “Igrejas” a seu bel prazer. Voltemos ao texto de Mateus acima citado e transcrevamo-lo integralmente.

Antes o contexto: Jesus havia perguntado aos discípulos: “quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” Diante da variedade das respostas Ele insistiu: “e vós quem dizeis que eu sou?” Simão Pedro tomou a palavra e disse: “Tu és o Cristo (messias), o Filho de Deus vivo”.  Jesus voltou-se para ele e disse: “Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isto, e sim o meu Pai que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do inferno nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado no céu, e o que desligares na terra será desligado nos céus”. Por hoje tentemos compreender o que significa Pedro (Pétros, em grego) e pedra (Pétra em grego).

O evangelho de João, logo que Simão, este era seu nome de família Simeão, bar-Jona, que quer dizer, filho de Jonas, é apresentado a Jesus, conta que “ fitando-o, disse-lhe Jesus: “Tu és Simão, filho de Jonas; chamar-te-ás Kefa (que quer dizer pedra)” ( Jo 1,42). Ou seja, quer no masculino (pétrus), quer no feminino (pétra), o grego está a traduzir a palavra aramaica Kefa (Kyf = pedra nobre).

 Explico ao leitor(a) que até então a palavra “petros” nunca fora usada na cultura grega como nome ou sobrenome de pessoa. O evangelista João faz questão de frisar que Jesus  dá a Simão um novo nome “fitando-o”. Este “fitando-o” traduz um verbo grego (blépô) que significa ver profundamente, até o cerne. É como se Jesus mudasse o cerne de Simão. Assim como a palavra “Cristo” se tornou o vocábulo que identifica Jesus na missão a ele confiada pelo Pai, assim Kefas, Pétrus , Pedro, se tornou o indicativo da identidade mais profunda de Simão, o filho de Jonas.

Ao fitá-lo, Jesus leu nas profundezas de Simão o desígnio do Pai a respeito de seu lugar na nova comunidade, na Igreja que Jesus estaria a construir no decorrer da história. Alguns, talvez por pressentirem que a palavra de Jesus a Simão deveria se estender a seus sucessores, procuram diminuir a importância do episódio no que diz respeito a Pedro, afirmando que Cristo, quando fala  “sobre esta pedra edificarei minha Igreja”, estaria se referindo a si mesmo e não a Pedro: "Sobre esta Pedra", a fé que acabas de professar “construirei minha Igreja. O que é verdade”: a Igreja se constrói em Cristo, pela adesão à pessoa de Cristo.

 Mas acontece que Jesus diz, penetrando as profundezas do ser de Pedro: “Tu és Kefa, Petrus” e só depois: “sobre esta pedra...” Portanto entre a construção que Cristo fará da Igreja no decorrer da história e Pedro há uma relação íntima. É pela união com Ele, Cristo, pela fé, pelo batismo e pela Eucaristia, que a Igreja é edificada. Cristo é o fundamento, o rochedo invisível que alcançamos pela fé e ao qual somos unidos pela graça. Mas afirma Jesus, mudando o nome de Simão: “Tu és kefa, Pedra, Rocha”. Ou seja, para que a Igreja que Jesus construirá sempre de novo no curso da História - pois a Igreja é construção permanente de Cristo - possa ser identificada e ser uma e una, Cristo dá a Simão a missão de ser o sinal visível desta unidade e unicidade. Onde está a igreja de Cristo? Como identificá-la. Veja bem, é a fé em Cristo que faz a Igreja, mas a fé em  Cristo é aquela professada por Simão, a ele revelada pelo Pai, conforme afirma Jesus: “Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isto, e sim o meu Pai que está nos céus”. Neste sentido, negar o lugar de Pedro é negar a profissão de Fé em Cristo que constitui a Igreja e negar esta profissão de Fé é negar a própria Igreja. Não existe uma Igreja de Cristo sem esta profissão de Fé oriunda da convivência fraterna entre o Mestre e seus discípulos. Estão equivocados os que acreditam poder viver na Igreja sem o reconhecimento do papel de Pedro.

Ser kefa, Rocha, é escolha do Pai, revelada a Jesus. No evangelho de São João o mesmo é dito de outra forma, logo no primeiro encontro de Simão com Jesus: “fitando-o, disse-lhe Jesus: Tu és Simão, o filho de jonas; chamar-te-ás Kefas, que quer dizer Pedra”( Jo 1,42). É como se Jesus dissesse: “eu te conheço bem e agora mudo teu destino, dou-te um nome novo: Rocha”. Simão se tornou desde então Simão-Rocha e, depois, simplesmente Kefas, Pedro. É natural, pois, que Pedro apareça nos evangelhos como líder do grupo dos doze.

A construção da Igreja é ação de Cristo através da história. A Igreja é construída por Ele hoje. Este é o sentido de sua afirmação com o verbo em futuro que indica ação permanente: “sobre esta pedra edificarei minha igreja”. Donde necessariamente a missão de Pedro dever continuar em seu sucesso. Neste sentido, desconhece as Escrituras ou propositalmente se nega o valor das Escrituras ao se falar de Igreja ao mesmo tempo em que se nega Simão, portador da profissão de Fé da qual brota a Igreja.

sábado, 28 de junho de 2014

Os lugares de Pedro e Paulo dentro da Fé Cristã



Pedro e Paulo foram homens de pregação e de testemunho eloquentes, que ensinaram para toda a Igreja um ardor sempre crescente pelas coisas de Deus. A fé de Pedro e o ardor missionário de Paulo são motivos de graças a Deus, que opera maravilhas na vida de seus santos em favor de todo o gênero humano. Ambos, por causa do Evangelho, ofereceram livremente suas vidas e foram martirizados em Roma. Pedro por crucificação e Paulo por decapitação.

Pedro recebeu a missão especial de conduzir o rebanho de Cristo, a Igreja. Paulo anuncia a Boa-Nova e proclama às nações a Palavra, manifestando-lhes o Evangelho da Salvação. O anúncio e o pastoreio, em comunhão com os mais profundos ensinamentos de Jesus, fazem da Igreja um sustentáculo vivo de edificação de vidas comprometidas com o Reino de Deus aqui na Terra. A Igreja, como guardiã do "depósito da fé", vê em Pedro e em Paulo anunciadores ímpares e fundamentais para o crescimento da Palavra de Deus no mundo inteiro.

Pedro e Paulo são considerados "colunas mestras" da Igreja primitiva. Eles são responsáveis, sem dúvida, pelo desenvolvimento da Igreja tal qual aconteceu. Suas personalidades diferentes, mas colocadas a serviço da evangelização, celebradas no mesmo dia, são expressão da natureza da Igreja – comunhão na diversidade. Diversidade de carismas e ministérios e um único Senhor e mestre: Jesus Cristo. Com tudo e com todos, como diria São Paulo, tornar Cristo sempre mais conhecido e amado, seguido e testemunhado.
Olhando para este contexto de comunhão na diversidade, é notável o testemunho de assistência do Espírito Santo à sua Igreja.

Os apóstolos Pedro e Paulo são modelos de discípulos de Jesus, missionários do Mestre, seguidores do Cristo. A pregação de Pedro, constante e convincente, mostra que Jesus constituiu a sua comunidade a partir de pessoas fracas e simples, pequeninas, revelando que Deus se utiliza dos fracos para confundir os fortes, e assim vai se realizando a história da salvação.
Olhando para o exemplo de Pedro e Paulo, rezemos por toda ação missionária da Igreja em nossos tempos, com seus muitos e complexos desafios para a evangelização. Que a Igreja leve Cristo a todos e em todas as situações.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Pequena catequese sobre a Eucaristia - Parte II



A Eucaristia está no centro do processo de crescimento da Igreja. De fato, o Reino de Cristo já presente em mistério, cresce visivelmente no mundo pelo poder de Deus. Sempre que no altar se celebra o sacrifício da cruz, no qual “Cristo, nossa Páscoa, foi imolado” (1 Cor 5, 7), realiza-se também a obra da nossa redenção. Pelo sacramento do pão eucarístico, ao mesmo tempo é representada e se realiza a unidade dos fiéis, que constituem um só corpo em Cristo (cf. 1 Cor 10, 17).

Existe um influxo causal da Eucaristia nas próprias origens da Igreja. Os evangelistas especificam que foram os Doze, os Apóstolos, que estiveram reunidos com Jesus na Última Ceia (cf. Mt 26, 20; Mc 14, 17; Lc 22, 14). Trata-se de um detalhe de notável importância, porque os Apóstolos  foram a semente do novo Israel. Ao oferecer-lhes o seu corpo e sangue como alimento, Cristo envolvia-os misteriosamente no sacrifício que iria consumar-se dentro de poucas horas no Calvário. De modo análogo à aliança do Sinai, que foi selada com um sacrifício e a aspersão do sangue, os gestos e as palavras de Jesus na Última Ceia lançavam os alicerces da nova comunidade messiânica, povo da nova aliança.

No Cenáculo, os Apóstolos, tendo aceite o convite de Jesus: "Tomai, comei [...]. Bebei dele todos" (Mt 26, 26.27), entraram pela primeira vez em comunhão sacramental com Ele. Desde então e até ao fim dos séculos, a Igreja edifica-se através da comunhão sacramental com o Filho de Deus imolado por nós: "Fazei isto em minha memória [...]. Todas as vezes que o beberdes, fazei-o em minha memória" (1 Cor 11, 24-25; cf. Lc 22, 19).

A incorporação em Cristo, realizada pelo Batismo, renova-se e consolida-se continuamente através da participação no sacrifício eucarístico, sobretudo na sua forma plena que é a comunhão sacramental. Podemos dizer não só que cada um de nós recebe Cristo, mas também que Cristo recebe cada um de nós. Ele intensifica a sua amizade conosco: "Chamei-vos amigos" (Jo 15, 14). Mais ainda, nós vivemos por Ele: "O que come da minha carne viverá por Mim"(Jo 6, 57). Na comunhão eucarística, realiza-se de modo sublime a inabitação mútua de Cristo e do discípulo: "Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós" (Jo 15, 4).

Unindo-se a Cristo, o povo da nova aliança não se fecha em si mesmo; pelo contrário, torna-se "sacramento" para a humanidade, sinal e instrumento da salvação realizada por Cristo, luz do mundo e sal da terra (cf. Mt 5, 13-16) para a redenção de todos. A missão da Igreja está em continuidade com a de Cristo: "Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós" (Jo 20, 21). Por isso, a Igreja tira a força espiritual de que necessita para levar a cabo a sua missão da perpetuação do sacrifício da cruz na Eucaristia e da comunhão do corpo e sangue de Cristo. Deste modo, a Eucaristia apresenta-se como fonte e simultaneamente vértice de toda a evangelização, porque o seu fim é a comunhão dos homens com Cristo e, n'Ele, com o Pai e com o Espírito Santo.

Pela comunhão eucarística, a Igreja é consolidada igualmente na sua unidade de corpo de Cristo. A este efeito unificador que tem a participação no banquete eucarístico, alude S. Paulo quando diz aos coríntios: "O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Uma vez que há um só pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão" (1 Cor 10, 16-17). Concreto e profundo, S. João Crisóstomo comenta: "Com efeito, o que é o pão? É o corpo de Cristo. E em que se transformam aqueles que o recebem?No corpo de Cristo; não muitos corpos, mas um só corpo. De facto, tal como o pão é um só apesar de constituído por muitos grãos, e estes, embora não se vejam, todavia estão no pão, de tal modo que a sua diferença desapareceu devido à sua perfeita e recíproca fusão, assim também nós estamos unidos reciprocamente entre nós e, todos juntos, com Cristo". A argumentação é linear: a nossa união com Cristo, que é dom e graça para cada um, faz com que, n'Ele, sejamos parte também do seu corpo total que é a Igreja. A Eucaristia consolida a incorporação em Cristo operada no Batismo pelo dom do Espírito (cf. 1 Cor 12, 13.27).

A ação conjunta e indivisível do Filho e do Espírito Santo, que está na origem da Igreja, tanto da sua constituição como da sua continuidade, opera na Eucaristia.  O dom de Cristo e do seu Espírito, que recebemos na comunhão eucarística, realiza plena e sobreabundantemente os anseios de unidade fraterna que vivem no coração humano e ao mesmo tempo eleva esta experiência de fraternidade, que é a participação comum na mesma mesa eucarística, a níveis que estão muito acima da mera experiência dum banquete humano. Pela comunhão do corpo de Cristo, a Igreja consegue cada vez mais profundamente ser, "em Cristo, como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano". 

Aos germes de desagregação tão enraizados na humanidade por causa do pecado, como demonstra a experiência cotidiana, contrapõe-se a força geradora de unidade do corpo de Cristo. A Eucaristia, construindo a Igreja, cria por isso mesmo comunidade entre os homens.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Pequena catequese sobre a Eucaristia - Parte I




“O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue” (1 Cor 11, 23), instituiu o sacrifício eucarístico do seu corpo e sangue. As palavras do apóstolo Paulo recordam-nos as circunstâncias dramáticas em que nasceu a Eucaristia. Esta inscrita na paixão e morte do Senhor. Não é só a sua evocação, mas presença sacramental. É o sacrifício da cruz que se perpetua através dos séculos. Esta verdade está claramente expressa nas palavras com que o povo responde à proclamação “mistério da fé” feita pelo sacerdote: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte”. A Igreja recebeu a Eucaristia de Cristo seu Senhor  como o dom por excelência, porque dom dele mesmo, da sua Pessoa na humanidade sagrada, e também da sua obra de salvação. Esta não fica no passado, pois “tudo o que Cristo é, tudo o que fez e sofreu por todos os homens, participa da eternidade divina, e assim transcende todos os tempos e em todos se torna presente”.
Quando a Igreja celebra a Eucaristia, este acontecimento central de salvação torna-se realmente presente e realiza-se também a obra da nossa redenção. É esta verdade que desejo recordar mais uma vez, colocando-me convosco, meus queridos irmãos e irmãs, em adoração diante deste Mistério: mistério grande, mistério de misericórdia. Que mais poderia Jesus ter feito por nós? Verdadeiramente, na Eucaristia demonstra-nos um amor levado até ao extremo (cf. Jo 13, 1), um amor sem medida. A Igreja vive continuamente do sacrifício redentor, e tem acesso a ele não só através duma lembrança cheia de fé, mas também com um contato atual, porque este sacrifício volta a estar presente, perpetuando-se, sacramentalmente, em cada comunidade que o oferece pela mão do ministro consagrado. Deste modo, a Eucaristia aplica aos homens de hoje a reconciliação obtida de uma vez para sempre por Cristo para humanidade de todos os tempos. Com efeito, o sacrifício de Cristo e o sacrifício da Eucaristia são um único sacrifício.
A Missa torna presente o sacrifício da cruz; não é mais um, nem o multiplica. O que se repete é a celebração memorial, a exposição memorial de modo que o único e definitivo sacrifício redentor de Cristo se atualiza incessantemente no tempo. Portanto, a natureza sacrificial do mistério eucarístico não pode ser entendida como algo isolado, independente da cruz ou com uma referência apenas indireta ao sacrifício do Calvário. Em virtude da sua íntima relação com o sacrifício do Gólgota, a Eucaristia é sacrifício em sentido próprio, e não apenas em sentido genérico como se se tratasse simplesmente da oferta de Cristo aos fiéis para seu alimento espiritual. Com efeito, o dom do seu amor e da sua obediência até ao extremo de dar a vida (cf. Jo 10,17-18) é em primeiro lugar um dom a seu Pai. Certamente, é um dom em nosso favor, antes em favor de toda a humanidade (cf. Mt 26, 28; Mc 14, 24; Lc 22, 20; Jo 10, 15), mas primariamente um dom ao Pai: Sacrifício que o Pai aceitou, retribuindo esta doação total de seu Filho, que Se fez “obediente até à morte” (Flp 2, 8), com a sua doação paterna, ou seja, com o dom da nova vida imortal na ressurreição.
Ao entregar à Igreja o seu sacrifício, Cristo quis também assumir o sacrifício espiritual da Igreja, chamada por sua vez a oferecer-se a si própria juntamente com o sacrifício de Cristo. Pela participação no sacrifício eucarístico de Cristo, fonte e centro de toda a vida cristã, os fiéis oferecem a Deus a vítima divina e a si mesmos juntamente com ela. A Páscoa de Cristo inclui, juntamente com a paixão e morte, a sua ressurreição. Assim o lembra a aclamação da assembleia depois da consagração: “Proclamamos a vossa ressurreição”. Com efeito, o sacrifício eucarístico torna presente não só o mistério da paixão e morte do Salvador, mas também o mistério da ressurreição, que dá ao sacrifício a sua coroação. Por estar vivo e ressuscitado é que Cristo pode tornar-Se “pão da vida” (Jo 6, 35.48), “pão vivo” (Jo 6, 51), na Eucaristia. S. Ambrósio lembrava esta verdade, aplicando às suas vidas o acontecimento da ressurreição: “Se hoje Cristo é teu, Ele ressuscita para ti cada dia”. Por sua vez, S. Cirilo de Alexandria sublinhava que a participação nos santos mistérios “ é uma verdadeira confissão e recordação de que o Senhor morreu e voltou à vida por nós e em nosso favor”.