sábado, 14 de setembro de 2013

Meditações sobre a Cruz do Senhor - A cruz como julgamento

A cruz é a execução do juízo de Deus com relação ao pecado que se concentrou e se tornou visível no Filho (2 Cor 5,21). Relacionada a este juízo de Deus há uma linha que se inicia na Antiga Aliança, estende-se até Paulo e depois João. No Antigo Testamento Deus mesmo é o juiz como Aquele que guarda seus direitos estabelecidos na Aliança, portanto é nesta fidelidade que Ele expressa quem É.Na Antiga Aliança, o direito estabelecido por Deus é o fundamento de toda a confiança, do qual sua justiça não é senão um aspecto, como também são a sua fidelidade, paciência, condescendência. Deus como justo que é, e por isso juiz do cumprimento da Aliança (Sl 50,6), sempre desce e intervém de forma que o errado se corrija, expressando envolvimento com o futuro de sua obra criada.                                                      
Por levar a sério o seu parceiro de Aliança é que Deus o busca, reconduz, pelo julgamento que corrige pedagogicamente. Desta maneira, não há nenhuma aceitação da injustiça por parte de Deus. Seja qual aspecto possua, a injustiça é alcançada, consumida e aniquilada pela vida de Deus. E pelo fato de não existir um ser humano que em suas próprias potencialidades consiga restabelecer os laços que a própria humanidade rompeu com Deus é que o próprio Deus por uma sucessão de castigos e perdões deixa claro que o excesso de pecado exige uma definitiva rejeição de onde se erguerá a promessa de uma salvação definitiva (Dt 30,15-20). Nesta mesma tradição Paulo vê a consumação de toda a Antiga Aliança na cruz e Ressurreição de Jesus.                                                                                      
Nenhum outro, a não ser o próprio Deus garante os dois lados da Aliança como homem-Deus, Ele não apenas elimina a injustiça por meio de compromissos, mas faz toda a sua justiça consumir a injustiça do mundo com o intuito de tornar acessível a todos a sua justiça. Desta purificação, Deus é ao mesmo tempo sujeito e objeto do julgamento e da justificação ao tomar o partido dos homens e defender a causa de Deus em favor deles. Para H.U.von Balthasar, é na cruz

Onde Deus assume sobre si enquanto Cristo homem toda a culpa de Adão (Rm 5,15-21) a fim de se entregar (Rm 4,25) como personificação viva do pecado e da inimizade (2Cor 5,21; Ef 2,14) à condenação da parte de Deus (Rm 8,3) é para ser ressuscitado por Deus, como vida de Deus morta e sepultada em meio ao abandono divino por causa de nossa justificação (Rm 4,25). E isto não é tomado em sentido mítico [...] e nem deve ser atenuado, naquilo que se refere à Cruz de Cristo, como se o crucificado tivesse recitado Salmos numa íntima e imperturbada comunicação com Deus e tenha morrido na paz divina.[1]                                                                 
Mas é João quem expõe o caráter judicial da cruz com uma radicalidade superior à de Paulo. Embora pareçam contraditórios, pois de um lado Jesus é o autor e senhor de todo juízo (5,22), é exercido por Ele mesmo (8,16. 26) e para isto ele veio ao mundo (9,39), de um outro, Ele não veio para julgar e sim para salvar (3,17; 12,47). Todavia, sua existência realiza o juízo (3,18) que se une à exaltação na cruz (12,31) onde o Espírito Santo lhe apresentará ao mundo como inocente. Percebe-se que na teologia de João, Glória e Cruz não são momentos distintos, mas é na cruz que revela a glória. Então fica mais claro em que sentido a hora em João significa glorificação e julgamento. Este juízo por sua vez é provado subjetivamente como perturbação (12,27) e objetivamente significa rompimento e isto quer dizer que

 Na cruz não há nenhum livro da Sabedoria, pois que a própria luz do mundo se obscureceu, a ‘hora das trevas’ venceu-a, e toda a Sabedoria de Deus se tornou ‘loucura’, para destruir a ‘sabedoria dos sábios’ (1 cor 1,19-21).[2]
Este sofrimento se explicita na imagem utilizada por Jesus: o Cálice que representa a ira divina que o pecador deve beber (Is 51,17. 22; Jr 25,15; Ez 23,31ss; Sl 75,9). E pelo Batismo que encontra um paralelo no Antigo Testamento com as águas que a tudo consomem (Is 43,2; Sl 42,8; 69,2s). Neste ser mergulhado nas águas é que se realiza o juízo sobre o mundo (Jo 12,31) e assim o velho mundo conhece a ruína em contato com a cruz de Cristo. Posto que ao atingir Jesus, nada encontra nele sobre o qual o antigo poderio deste mundo possa exercer seu poderio (Jo 14,30).







[1] Idem. p.82
[2] BALTHASAR, Hans Urs Von, O Cristão e a Angústia. p.50

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