sábado, 30 de março de 2013

Terceira Meditação sobre o Sábado Santo: a experiência do pecado



O que há de exclusivo do sábado santo com relação à vivência dos sofrimentos da sexta-feira santa é o elemento contemplativo objetivo e passivo ou conforme as palavras citadas de Nicolau de Cusa, a visão da morte.                                                                       
Neste momento, Cristo é contado entre os fracos. Não há batalha contra forças do inferno, nem triunfo subjetivo, pois este supõe como já dissemos força e vitalidade. Entretanto, esta fraqueza é o objeto de sua visão, ou seja, da segunda morte. Em si mesma, esta fraqueza é
A paixão do infinitamente puro, do infinitamente justo por tudo aquilo que a Deus aborrece e que só ao Puro aparece em toda sua fealdade; é o sofrimento por representação deste Puro por todos os impuros, isto é: o tormento daquela angústia que caberia em sorte ao pecador, diante do tribunal de Deus Juiz.[1]
            Nesse estado, o pecado não tem forma e é provocado pela liberdade humana, ou mais precisamente o produto da Paixão ativa na cruz. Neste sentido, o objeto contemplado pelo Redentor morto é o seu próprio triunfo e somente no esvaziamento vital é que Ele pode ter este contato íntimo. “no inferno povoado não poderia ser objeto desta Visio mortis, pois ela seria a contemplação de uma derrota, nem um purgatório povoado [...] mas a pura substancialidade do inferno enquanto é o pecado em si.” [2] Ali é inútil procurar o Pai porque isto é contraditório, tanto mais que o tempo desapareceu. Não há passado ou futuro. Só há solidão cuja substancia é o pecado anônimo. Não há comunidade possível, nem esperança. Só há constatação puramente objetiva daquilo que é o pecado do mundo em sua monstruosidade. E aquele que constata não sabe que é, nem se existe, propriamente falando.                                            O eu torna-se isto devido ao fim das relações. Nada é determinado mas, não obstante, o isto  se torna nada. À pergunta sobre a essência do pecado permanece pois no pecado não há verdade, nem existência. Suportar isso é o puro horror que cria um pavor inominável; este horror está presente no pecado e no pecador. O salvador o carrega em si sem ser este horror. Na verdade, o contato com o horror, faz com que Ele reconheça o que o separa do horror, ou seja, vê a forma de sua missão na obscuridade do Pai.                                                                                                                         A partir desta concepção, o inferno “é um produto da Redenção e deve ser contemplado pelo Redentor apenas em sua substância, a fim de se tornar, em sua pura rejeição uma coisa que lhe pertence: aquilo sobre o qual recebeu o poder das chaves, no momento de sua Ressurreição.”[3]                                                                                     Voltaríamos a uma concepção mitológica se admitirmos descrições dramáticas do inferno, como aquele da teoria do resgate, em suas expressões teológicas mais grosseiras ou mais sutis.
3.3.3. ACONTECIMENTO TRINITÁRIO
            Esta estadia de Jesus entre os mortos, chamada por H. U. von Balthasar de Solidariedade encontra o seu fundamento no Pai e por conseguinte é a última conseqüência da missão do Filho. O Deus criador assumiu a responsabilidade pela liberdade do homem criado e é necessário explicitar que
Se o Pai deve ser considerado criador da liberdade humana – com todas as conseqüências previsíveis - então originalmente o juízo lhe pertence e, conseqüentemente, o inferno, e se Ele enviou seu Filho ao mundo para salvar e não para condenar, e se, para esta função,  lhe entregou todo o julgamento (Jo5,22), então Ele devia, introduzi-lo também no inferno. Mas o Filho só foi introduzido realmente no inferno, como morto, no sábado santo. Pressupunha-se esta introdução no inferno ‘se os mortos deviam ouvir a voz do Filho de Deus e ouvindo-a viver’(Jo 5,25)[4]
            Assim o estar com os mortos por parte do Filho é um estar na extrema obediência e consiste na travessia existencial do puro anti-Deus, do objeto do juízo escatológico. Este objeto é apreendido no acontecimento do ‘ser impetuosamente projetado fora’ (Ap 18,21; Jo 12,31; Mt 22,13). Esta travessia é feita na extensão de toda missão recebida do Pai. Desta maneira, o mergulho no inferno é um evento econômico trinitário, posto que:
Os últimos abismos da liberdade contrária a Deus se abrem ali onde Deus, em sua liberdade amorosa, se decide a descender kenóticamente à perdição do mundo, pois é nesta descida que põe em descoberto àqueles: para si mesmo, porque experimenta o abandono divino, e para o mundo, porque agora aprecia a este, ante as dimensões do amor divino, o âmbito de sua própria liberdade, que pode ser utilizada para contradizer a Deus. [5]
            Em sua estadia no inferno, o Filho observa tudo o que estava inacabado, o que era informe e caótico no âmbito da criação, com o intuito de transferir, como salvador aos seus domínios, como diz Santo Irineu: “por isso também desceu às portas inferiores da terra, para ver com os olhos os seres inacabados da criação”[6]. É por conta desta visão que o homem Deus teve do caos que recebemos a condição de contemplarmos o divino. Percorrendo o caos na obediência ao Pai, em meio às trevas do anti-divino, objetivamente, Ele se encontra no paraíso e quando pensava mais abandonado pelo Pai, é que o abandono é usado para romper as algemas do verdadeiro abandono do inferno, e para fazer entrar o Filho, acompanhado do mundo libertado, no céu do Pai. Justamente é esta idéia que se expressa figurativamente nos textos Patrísticos que falam de um triunfo.


[1] O Cristão e a Angústia. São Paulo: Duas cidades. 1963. pg. 49
[2] FEINER, Johannes & LÖHRER, Magnus. Mysterium Salutis – Compêndio de Dogmática  Histórica Salvífica. Vol. III/6: Mysterium Paschale, Colaboração de Hans Urs von Balthasar. Petrópolis: Vozes, 1974. pg.118
[3] Idem. pg 112
[4] Idem. pg 119
[5] BALTHASAR, Hans Urs Von, Solo el Amor es digno de fe. p.83 [. Los últimos abismos de la libertad contraria a Dios se abren allí donde Dios, en su libertad amorosa, se decide a descender kenóticamente a la perdición del mundo, pues en este descenso es cuando ponde en descubierto a aquéllos: para sí mismo, porque experimenta el abandono divino, y para el mundo, porque ahora aprecia éste , ante las dimensiones del amor divino, el ámbito de sua propia libertad, que puede ser utilizada para contradicer a Dios.]
[6] IRINEU, Santo. Contra as heresias. São Paulo: Paulus, 2006. Livro V

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