domingo, 31 de março de 2013

Homilia para o Domingo de Páscoa - parte I




A pedra fundamental de toda a fé cristã se encontra na afirmação singular da ressurreição de Jesus de Nazaré do meio dos mortos como iniciativa de seu Pai. Sem este elemento, a cruz, toda a pregação de Jesus e toda a sua vida desembocaria em um nada sem sentido iniciado no alto de cruz, vista como fator de condenação para o maldito por Deus. Ao se falar da Ressurreição, deve se estar atento para as implicações que ela traz consigo. Estas implicações dizem respeito à singularidade do enunciado Jesus Ressuscitou!
O fato de um morto ser reerguido dentre os mortos não é algo desconhecido às Escrituras. No simples fato de ter voltado à vida, aparentemente não há nada que diferencie Jesus daqueles que Ele mesmo, pela sua palavra trouxe do mundo dos mortos. Porém, não é isto que a ressurreição de Jesus quer expressar. Seu reerguer-se dentre os mortos não possui nenhuma analogia com o daqueles que voltaram a viver. Seu voltar à vida é expressão do fim da morte para sempre (Rm 6,10) e assim, os limites deste mundo, do tempo e do espaço foram superados. (Hb 9,26; 1Pd 3,18): Jesus é superior a Davi porque Davi ainda se encontra entre os mortos. Também a Lázaro pelo fato de a este, os panos da morte novamente voltarem a envolver, enquanto que Jesus deixa os panos mortuários dobrados como sinal de total inutilidade da morte de agora em diante. Jesus é o vivente por todos os séculos, é aquele que tem nas mãos a chave do Hades e da morte. (Ap 1,17ss).                                                                                             
Neste evento Cristo rompeu singularmente todo o universo do nosso viver e morrer, a fim de abrir-nos, certamente, com esta ruptura, um novo caminho para a vida eterna em Deus. (1 Cor 15,21ss)  Portanto, a Ressurreição é proclamação de que a história foi superada em Deus, pois o mesmo Deus que está acima da história, age em seu Filho morto e faz com que se manifeste para a história e dentro da história como aquele que lhe é superior. Esta singularidade de Cristo, que é uma singularidade que não existe no mundo, nem pode se explicar a partir dele, nem é compreensível para ele, porque é singularidade de Deus, esta singularidade, irradia e comunica Cristo. Por ele o mundo tem que odiar os cristãos, porque odeia a Cristo, e odiando a Cristo odeia o Pai (Jo 15,18ss). A Ressurreição é assim o triunfo de Deus mesmo sobre as forças do mundo que se opuseram a Ele mesmo desde a queda da humanidade no Jardim por isso, o túmulo do Senhor se encontra em um Jardim! O que começou em um Jardim se decide em um Jardim também!
Mas, de onde nasce a fé na Ressurreição? Ela deve ter um nascedouro. Santo Agostinho e muitos em sua sombra, interpretaram  que este Evangelho do dia de hoje parece dar a entender que o túmulo vazio é o ponto de início da fé na Ressurreição e esta ideia é assumida por conta do final do Evangelho quando se diz “Então entrou também o discípulo que havia chegado primeiro ao sepulcro. Viu e acreditou.” Para muitos ele acreditou na Ressurreição e esta parece ter se tornado a interpretação mais comum deste relato. E na verdade não o é. Vejamos o versículo que segue. Ele diz que “Em verdade, ainda não haviam entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dentre os mortos.” Se eles não compreendiam, então ele não pode ter acreditado ainda na Ressurreição. Com o coração reverente e o Espírito contrito, deveremos buscar respostas no próprio Evangelho e a partir de agora o observemos novamente.
 “No primeiro dia que se seguia ao sábado, Maria Madalena foi ao sepulcro, de manhã cedo, quando ainda estava escuro”.
 Para nós, os cristãos, a exemplo do que aconteceu em Gênesis 1, quando se fala da criação, houve uma tarde ( a da sexta feira santa) e uma manhã ( a do domingo de Páscoa), ainda estava escuro quando Maria Madalena vai até lá! É o primeiro dia depois do Sábado porque no Sábado da criação, Deus descansou. Agora, é retomado o primeiro dia para nos dizer que a criação começou outra vez! Eis uma informação sobre o Ressuscitado, Ele inaugura o novo dia da nova criação, tudo começou novamente, tudo ganhou novo brilho e novo vigor.
“Viu a pedra removida do sepulcro.” 
A pedra prende o morto no túmulo e o separa do mundo dos vivos. A pedra removida mostra para nós o mundo dos mortos, agora esquadrinhado, temos no morto Jesus o acesso ao que significa a morte, e no ressuscitado Jesus os limites deste mundo até então obscuro, vemos o mundo dos mortos e não mais o tememos pois a morte não tem poder algum sobre os que estão em Cristo.
“Correu e foi dizer a Simão Pedro e ao outro discípulo a quem Jesus amava: ‘Tiraram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram!’”







Homilia para o Domingo de Páscoa - Parte II



Aqui, diante de um túmulo vazio que para muitos serve de prova temos uma objeção: a reação de Maria Madalena. Ela vai até dois homens do grupo do Senhor Jesus e fala o que ele interpretou “Tiraram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram!” O túmulo neste momento é o lugar do qual brotam interpretações, não é o lugar da prova da Ressurreição. E aqui se revela para nós que a Ressurreição não precisa de provas, não precisa de um ponto fixo que lhe apoie. O Túmulo vazio é o lugar da crise de mentalidade, da crise de interpretação no qual a morte aparentemente sem sentido se torna mais sem sentido ainda!
De Maria Madalena, passamos à atitude dos discípulos vejamos:

“Saiu então Pedro com aquele outro discípulo, e foram ao sepulcro. Corriam juntos, mas aquele outro discípulo correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro”.

O mais jovem, mais vigoroso chega primeiro, além disso, é necessário afirmar que chegue primeiro o amado porque quem ama tem pressa sempre, preocupa-se com aquele que é inspiração de seu amor. Todavia, não nos enganemos, o que motivou os dois a irem até o túmulo foi a afirmação de que o corpo foi retirado, não a certeza da Ressurreição. É necessária fidelidade ao texto Sagrado.Sobre o discípulo que Jesus amava, vemos ainda um detalhe dado pelo Evangelho:
 
“Inclinou-se e viu ali os panos no chão, mas não entrou”.

Não entrou no túmulo até que Pedro entrasse, vemos aqui duas tendência da Igreja e igualmente necessária: a instância que lidera e conduz, representada por Pedro e a instância que se entrega por Amor, representada pelo outro discípulo. O Amor vai à frente sempre, todavia, respeita e se inclina sempre! Não entrar no túmulo é ainda não participar da morte do Senhor. 

“Chegou Simão Pedro que o seguia, entrou no sepulcro e viu os panos postos no chão.
Viu também o sudário que estivera sobre a cabeça de Jesus. Não estava, porém, com os panos, mas enrolado num lugar à parte.”

“Chegou Simão Pedro que o seguia” Se quem conduzir não estiver seguindo o Amor, então não conduzirá em nome do Senhor! Ele deve ser o primeiro a entrar porque quem estava antes no túmulo é o que se entregou por Amor. Temos uma aspiral do amor. Amor entregue: Jesus. Amor que se preocupa: o discípulo amado, e o amor de quem lidera: Pedro. Se ele não entrar no túmulo, isto não se completa. Só depois dele é que entra o outro discípulo, cumprindo assim o trajeto proposto pelo Amor. 

“Então entrou também o discípulo que havia chegado primeiro ao sepulcro. Viu e acreditou.”

Ao entrar no túmulo, ele acredita no que vê. O que ele viu? Esta informação já foi dada “Inclinou-se e viu ali os panos no chão”. Parece que se confirma ainda a informação de Maria Madalena. Eles acreditam que o Senhor não está lá, até porque isto é óbvio. O que segue é o mais importante:

“Em verdade, ainda não haviam entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dentre os mortos.”

O túmulo não é prova da Ressurreição de Jesus, ele aponta para algo novo, para uma crise de entendimento porque expressa que algo aconteceu. E este trecho final do Evangelho mostra para nós um dos aspectos da fé na Ressurreição: “a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dentre os mortos”. O ponto um da Fé na Ressurreição é a crença e o entendimento da Palavra de Jesus. Não há necessidade de prova, é um dado de fé que neste momento, neste domingo, a Igreja deve procurar nas Palavras do próprio Senhor até que Ele mesmo apareça aos seus discípulos e lhes revele o cerne das Escrituras (Lc 24). Não é por acaso que nem no Evangelho da Vigília nem no de hoje, vemos o Senhor aparecer a algum membro do seu grupo, eles devem meditar sua Palavra! Quando ele começar a aparecer aos seus teremos o ponto dois da fé na Ressurreição e concretamente seu nascedouro: as aparições do Senhor Ressuscitado. Com o que foi dito entendemos agora porque as aparições são para pessoas que estão enfraquecidas na fé!

A Ressurreição como Obra do Pai



Inúmeras passagens na escritura nos apresentam o Pai como agente ativo da ressurreição de Jesus (At 3,15; 2,24; 5,30).  A ação do Pai é na verdade em favor do seu mundo, como criador que consuma a sua obra criadora mediante a ressurreição dos mortos.  O poder de Deus age em favor de Cristo em sua ressurreição. Nos textos de Ef 1,19; Cl, 2,12, o termo poder de Deus cede lugar ao termo glória  (Rm 6,4). Nesta ação gloriosa, Deus se revela como o Senhor que traz os mortos de volta à vida de tal forma que a expressão que ressuscitou Jesus dentre os mortos, (Rm 8,11; 2 Cor 4,14; Gl 1,1; Ef 1,20; Cl 2,12) torna-se uma espécie de título  de Deus e neste ato, o Pai apresenta a última justificação de sua palavra e a verdade sobre o Filho obediente.                                        
 Desta forma, a pretensão de Jesus de identificar o seu eu com o  eu  de Iahweh é admitida pelo próprio Deus. Assim, Jesus de Nazaré, é apresentado ao mundo como testemunha do Pai. Sua palavra é confirmada pelo Pai e Cristo é reabilitado diante do mundo e entronizado como o Todo Poderoso, o Senhor, expressão do rosto de Deus até então nunca visto. (Jo 1,18). 
A Justiça de Deus triunfa sobre a injustiça que vitimou o Seu Filho Jesus.  A Ressurreição vista como obra do Pai é a demonstração de que a última palavra nunca será da morte e sim da vida ao mesmo tempo em que se revela que aquele que foi ridicularizado, humilhado, torturado e supliciado na cruz era verdadeiramente justo, neste sentido, não pode ser esquecido no mundo dos mortos porque a Palavra de Deus é sempre justa e assim sendo, traz de volta o justo Jesus!

A Ressurreição como Revelação do Filho



O Filho é apresentado ao mundo, por seu Pai como o VIVENTE. No ato desta apresentação, Ele possui a total liberdade inerente à sua condição. Assim, a liberdade expressa pelo Pai no que diz respeito ao ato de ressuscitar o Filho, tem sua correspondência na liberdade com a qual o Filho, reerguido dentre os mortos, mostra-se a si mesmo.                                                                                                                                  Aqui se dá o decisivo na Revelação do Mistério Trinitário na Pessoa do Filho, posto que sua liberdade apresenta a Pessoa do Pai, pois este tudo deu ao Filho ( Jo 5), e desta maneira é apresentada uma coincidência de  liberdade entre o Pai e o Filho. Une-se aqui obediência e liberdade posto que em extrema obediência, o Filho se deixou ressuscitar pelo Pai e agora aceita que o Pai lhe dê a total liberdade de dispor da vida (Jo 5,26), e o entronize como o possuidor do NOME diante do qual todo joelho se dobre, nos céus, na terra e nos infernos. Este nome é expressão da divindade do Filho, superação da distinção entre a condição de Servo e a de Senhor.                                                  
Como conseqüência, fica claro que a renúncia à condição divina e a adoção da condição de servo, com tudo o que esta imagem comporta, não é uma diminuição daquilo que é a vida trinitária, mas manifestação de Deus que pode chegar a se encarnar, morrer e ressuscitar em sentido absoluto. Esta realidade acerca do Filho nos leva a entender a identificação presente no Evangelho de João entre a exaltação e a glorificação tanto quando se refere à cruz quanto à ressurreição. Essa unidade entre o  Leão vencedor  e o  cordeiro imolado ( Ap 5,6s) garante a não contradição no fato de um morto e ressuscitado, o Filho, ter o poder de entregar a vida e também de reavê-la. (Jo 10, 18; 2,19) e mediante este poder (Jo 11,25) ressuscitar os mortos tanto nos contornos do tempo (Jo 12,1. 9.17), quanto no final dos tempos (Jo 11,25). Pois o que obedece até a morte de cruz é como dissemos no capitulo II deste trabalho, obediente ao mandato que recebeu por parte do Pai. Este poder se identifica com a missão conferida pelo Pai e aceita pelo Filho.

A Ressurreição como Obra do Espírito Santo



Na tentativa de adentramos no sentido teológico da revelação do Espírito Santo na Ressurreição do Filho, primeiramente devemos ter em vista a idéia expressa por Lucas em seus escritos, onde somente quando Jesus retorna ao Pai é que recebe o Espírito para infundi-lo na Igreja (At 2,33. 1,4). E, em paralelo, a promessa apresentada em João no instante da despedida do Senhor (Jo 16,7; 14,16; 15,26).                                      
Em ambas vertentes teológicas, é expressa que a condição indispensável para o envio do Espírito Santo é a reunião entre o Pai e o Filho. Desta maneira, a união entre o Pai e o Filho nos aparece como um único principio de espiração na linha da Revelação. Assim, receber o Espírito Santo é seguir o caminho de Jesus, pois o Pai e o Filho entregam o Espírito como dom ao mundo redimido e este expressa a unidade essencial da Trindade que na história da salvação deve ser vista sempre sobre a ótica do Esvaziamento.          Entretanto, é do pensamento de São Paulo que nos vem a visão  do Espírito Santo mais profunda. Em sua teologia, o envio do Espírito e a Ressurreição de Jesus são apresentados como um movimento único. O fato de o Pai ter ressuscitado o Filho por seu Espírito (Rm 8,11) mostra que o Espírito Santo é ao mesmo tempo instrumento da Ressurreição e meio no qual o Cristo ressuscitado penetra em um meio natural a Ele (1Tm 3,16; Rm 1,4) com o corpo pneumático (1 Cor 15,44-45) identificado com a realidade do Espírito.                                                                                     
 Esta identificação revela a natureza quenótica do Espírito Santo porque quem deseja viver segundo o Espírito deve seguir o Senhor segundo o Espírito (Gl 5,16.22s. 25). Nisto consiste a quenose do Espírito Santo: sendo Deus, faz-se presente em nosso limitado coração nos conduzindo nos caminhos do Crucificado- ressuscitado.