quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O Sentido Espiritual da Quaresma - Homilia para a Quarta Feira de Cinzas


Caríssimos irmãos e irmãs com a celebração Eucarística da Quarta feira de cinzas estamos iniciando o ciclo quaresmal e convém-nos examinar atentamente o significado destes quarenta dias. O número 40 é carregado de significado simbólico e faz referências a muitos fatos importantes na Sagrada Escritura, como, por exemplo, “a chuva que causou o dilúvio durou 40 dias e 40 noites (Gn 7, 12-17); Isaac casou-se aos 40 anos (Gn 25,20); a terra descansou por 40 dias (Jz 5, 32; 8,28); Moisés jejuou por 40 dias e 40 noites sobre o Monte Sinai (Ex 24, 18); a exploração da terra a ser conquistada pelos judeus durou 40 dias (Nm 13,25; 14,34); a viagem de Elias para o Monte Horeb durou 40 dias e 40 noites (1Rs 19,8); Jonas pregou em Nínive durante 40 dias (Jn 3,4); Jesus jejuou durante 40 dias e 40 noites no deserto (Mt 4,2), apareceu aos discípulos e com eles ficou por 40 dias”; os 40 anos de caminhada do Povo de Deus pelo deserto em busca da Terra Prometida (Ex 16,35). Estes quarenta dias devem ser de uma preparação intensa e serena, fruto de uma consciência livre que se permite questionar e que deseja avançar no conhecimento da verdade que é Cristo Jesus, nosso Senhor. A preparação que realizamos na quaresma encontra sua finalidade no fato de estarmos nos aproximando da Páscoa celebração do triunfo de Cristo Ressuscitado sobre a morte e o pecado. Com a Páscoa, todos os cristãos recebem a vida nova que vem do Senhor e tem a sua fé revestida da claridade da ressurreição que é transformação do luto ocasionado pelo pecado em vida abraçada por Deus, esta vida nova nos é ofertada através do batismo cujas promessas renovaremos com a participação ativa no mistério do Tríduo Pascal.                                                
Este é o momento para retomarmos o fundamento e o início da vida cristã, que é a adesão de fé a Jesus Cristo e seu Evangelho.  Somos convidados na quaresma a promovermos um grande juízo sobre nossa vida, nossas escolhas e todas as nossas seguranças. Nenhum cristão de verdade pode passar um dia sequer sem se perguntar o  que tem feito com o Dom da Eucaristia que lhe é ofertado por Cristo em nome do Pai para a remissão de nossos pecados. A Páscoa é o tempo de reafirmar nossa disposição de seguir Jesus pelo caminho e de pertencer à comunidade eclesial, comunidade dos discípulos do Senhor. É para isto que nós nos preparamos a partir de agora! Toda a Igreja entra em clima de preparação e convida cada um de seus filhos e filhas a fazerem o mesmo na vida pessoal, para chegarem à Páscoa prontos e bem dispostos a renovar a vida cristã. Devemos sentir na nossa liturgia que algo está sendo transmitido para nós, por isso, os santos são cobertos ou retirados, as percussões cessam nas celebrações e encontros, sinos não tocam até a Quinta feira Santa, flores e velas não são colocados no altar e a Igreja se veste de roxo. Este é um tempo em que a misericórdia de Deus faz um apelo ao ser humano,  porque como nos ensina São Paulo, “Aquele que não pecou, Deus o fez pecado por causa de nós!” (1 Cor 5,21). Quem de nós é digno de receber tão grande amor? Quem de nós não sente o peso de seus pecados ao se deparar com o infinito amor de Jesus?  Da consciência de nossa condição miserável que se choca com a certeza do amor de Deus que nos que ao seu lado, brota a necessidade de mudança de vida. Ainda hoje escutaremos as palavras que foram ditas pelo próprio Jesus: "convertei-vos e crede no Evangelho!". Estas palavras ecoaram ao longo destes 40 dias que seguem porque o Deus que quer nos amar e salvar, deseja que nós abramos o nosso coração para ele! O Evangelho que hoje foi proclamado para nós mostra o caminho dos "exercícios quaresmais": o jejum, a esmola e a oração. O nosso mundo aprendeu a rejeitar estas palavras, mas para a Igreja de Cristo, elas não são do passado mas fazem parte do próprio caminho de transformação de vida à qual o Evangelho de Jesus nos convida. São "remédio contra o pecado", conforme a expressão consagrada pela Liturgia na oração do III° domingo da quaresma.                                                                                 
Pelo jejum, recordados que "não só de pão vive o homem mas de toda palavra que vem da boca de Deus" (Mt 4,4), somos incitados a desapegar o coração de todos os bens que acaso nos impeçam de amar e servir a Deus acima de todas as coisas. Praticado retamente, o jejum faz sentir a precariedade e a fragilidade da vida neste mundo, reafirmando o significado das cinzas: Lembra-te que és pó e ao pó voltarás! Do Jejum nos vem a ajuda a ordenar nossa existência para Deus. O jejum corporal faz parte das práticas de quase todas as religiões, que lhe dão um significado sagrado. Também a Igreja o indica aos cristãos, especialmente no tempo da quaresma. Faz-se necessário que o estendamos a nossos cinco sentidos, procurando converter nosso OLHAR para que vejamos a todos como filhos e filhas de Deus, converter nosso OUVIR, para que estejamos atentos à Palavra de Deus, nosso OLFATO para que sintamos o bom odor de Cristo! Purificar nosso FALAR para que nossa língua não seja causa de condenação! Mudar também nosso TATO para que tudo toquemos fazendo a distinção entre o que é eterno e o que é passível de fim. Desta maneira poderemos purificar nossa forma de sentir nosso próprio corpo e o corpo de nossos irmãos e irmãs, e de maneira muito especial o corpo de Cristo largado nas sarjetas da vida! “Ordenai um jejum” (cf. Jl. 1, 14). São as palavras que ouvimos na primeira leitura desta Quarta-feira de Cinzas, quando começa a Quaresma. O jejum no tempo quaresmal é também a expressão da nossa solidariedade com Cristo, preso, torturado, flagelado, coroado de espinhos, condenado à morte, crucificado e morto. Ao jejuar devemos concentrar-nos não só na prática da abstenção do alimento ou das bebidas, mas no significado mais profundo desta prática. O alimento e as bebidas são indispensáveis para o homem viver, disso se serve e deve servir-se, mas não lhe é lícito abusar, seja da forma que for. O jejum tem como finalidade nos levar a um equilíbrio necessário e ao desprendimento daquilo que podemos chamar de “atitude consumística”, característica da nossa civilização. O homem orientado para os bens materiais, muitas vezes, abusa deles. Hoje, busca-se, acima de tudo, a satisfação dos sentidos, a excitação que disso deriva, o prazer momentâneo e a multiplicidade cada vez maior de sensações. E isso acaba gerando um vazio no coração do homem moderno; pois sem Deus ele não pode se satisfazer. O barulho do mundo e o prazer das criaturas não conseguem preencher o seu coração. A criança hoje (e também muitos adultos) vive de sensações, procura sensações sempre novas... E torna-se assim, sem se dar conta, escrava desta paixão atual; a vontade fica presa ao hábito, a que não sabe se opor. O jejum nos ajuda a aprender a renunciar a alguma coisa. Ele nos faz capazes de dizer “não” a nós mesmos, e nos abre aos valores mais nobres de nossa alma: a espiritualidade, a reflexão, a vontade consciente. Essa prática nos coloca de pé e de cabeça para cima. Há muitos que caminham de cabeça para baixo; isso acontece quando o corpo comanda o espírito e o esmaga. É o prazer do corpo que o comanda e não a vontade do espírito. É preciso entender que a renúncia às sensações, aos estímulos, aos prazeres e ainda ao alimento ou às bebidas, não é um fim em si mesmo, mas apenas um “meio” que deve apenas preparar o caminho para conquistas mais profundas. A renúncia do alimento deve servir para criar em nós condições para podermos viver os valores superiores. Por isso o jejum não pode ser algo triste, enfadonho, mas uma atividade feliz que nos liberta. Os Padres da Igreja davam grande valor ao jejum. Diz, por exemplo, São Pedro Crisólogo (†451): “O jejum é paz do corpo, força dos espíritos e vigor das almas” e ainda: “O jejum é o leme da vida humana e governa todo o navio do nosso corpo” (Sermão VII: sobre o jejum, 3.1). Santo Ambrósio (†397) diz: “A tua carne está-te sujeita (...): Não sigas as solicitações ilícitas, mas refreia-as algum tanto, mesmo no que diz respeito às coisas lícitas. De fato, quem não se abstém de nenhuma das coisas lícitas, está também perto das ilícitas» (Sermão sobre a utilidade do jejum, III. V. VII). Até escritores que não pertencem ao Cristianismo declaram a mesma verdade. Esta é de alcance universal. Faz parte da sabedoria universal da vida.  O jejum confere à oração maior eficácia. Por ele o homem descobre, de fato, que é mais “senhor de si mesmo” e que se tornou interiormente livre. E se dá conta de que a conversão e o encontro com Deus, por meio da oração, frutificam nele. Assim, essa atividade não é algo que sobrou de uma prática religiosa dos séculos passados, mas é também indispensável ao homem de hoje, aos cristãos do nosso tempo.
A Bíblia recomenda muito o jejum, tanto o Antigo como o Novo Testamento; Jesus o realizou por quarenta dias no deserto antes de enfrentar o demônio e começar a vida pública; e muito o recomendou. “Quanto a esta espécie de demônio, só se pode expulsar à força de oração e de jejum” (Mt 17,20).  “Boa coisa é a oração acompanhada de jejum, e a esmola é preferível aos tesouros de ouro escondidos” (Tb 12,8). O nosso jejum deve ser acompanhado de mudança de vida, de conversão, de arrependimento dos pecados e volta para Deus. O profeta Isaías chamava a atenção do povo para isso: "De que serve jejuar, se com isso não vos importais? E mortificar-nos, se nisso não prestais atenção? É que no dia de vosso jejum, só cuidais de vossos negócios, e oprimis todos os vossos operários”. Passais vosso jejum em disputas e altercações, ferindo com o punho o pobre. Não é jejuando assim que fareis chegar lá em cima vossa voz. O jejum que me agrada porventura consiste em o homem mortificar-se por um dia? Curvar a cabeça como um junco, deitar sobre o saco e a cinza? Podeis chamar isso um jejum, um dia agradável ao Senhor? Sabeis qual é o jejum que eu aprecio? - diz o Senhor Deus: É romper as cadeias injustas, desatar as cordas do jugo, mandar embora livres os oprimidos, e quebrar toda espécie de jugo" (Is 58,3-6).

Por esmola entendemos a caridade, com todas as suas variantes e implicações. De fato, a caridade "apaga a multidão dos pecados" (cf 1Pd 4,8); ela é sinal da autenticidade da nossa fé em Deus e a expressão mais coerente do seguimento de Jesus. "Quem não ama, permanece na morte pois, como é possível dizer que se ama a Deus, que não se vê, se não se ama o próximo, que é filho de Deus?" (cf 1Jo 4,20). O ser humano, muitas vezes se ver obrigado a pedir esmola para a própria subsistência e nós muitas vezes, nos achamos no direito de julgar os que estão largados nas margens da história, na verdade, a caridade é o reconhecimento de que Deus é o dono de tudo e que os homens não são donos do mundo e sim administradores que serão cobrados e neste sentido, os pobres serão nossos juízes (Mt 25, 31-46) “Eu tive fome e você me deu de comer, eu tinha sede, eu era nu, prisioneiro e você me socorreu. Este socorro é o que chamamos de caridade.


O exercício da oração indica todas as formas de relacionamento pessoal com Deus. Pela oração entramos em comunhão com Deus, diante de quem nos reconhecemos criaturas e filhos. A oração humilde e confiante é expressão de verdadeira adoração de Deus, que deixa de ser um princípio abstrato, ou uma força cósmica da qual nos queremos apossar e passa a ser reconhecido como um tu pessoal, a quem ouvimos, com quem falamos, que adoramos e louvamos e a quem recorremos com confiança filial. Jesus rezou e ensinou a rezar. Sem oração, a vida cristã torna-se abstrata e corre o risco de se converter num extenuante esforço pessoal de busca da perfeição ética sem esperança nem alegria. A oração autêntica é reconhecimento que só Deus é Deus e que somos apenas criaturas. A oração decorre do primeiro e mais importante mandamento da lei de Deus.
O que a oração pede, o jejum alcança e a misericórdia recebe. Oração, misericórdia, jejum: três coisas que são uma só e se vivificam reciprocamente. O jejum é a alma da oração e a misericórdia dá vida ao jejum. Em uma sociedade que pôs o lucro acima de todas as coisas, somos convidados a agirmos com Misericórdia para podermos alcançar misericórdia; quem pede compaixão, também se compadeça porque não pode existir verdadeira religião onde não há espaço para a compaixão com quem sofre, com o planeta inteiro. Quem quer ser ajudado, ajude os outros. Muito mal suplica quem nega aos outros aquilo que pede para si. 
Somos para nós mesmos a medida da misericórdia conforme rezamos no Pai Nosso: perdoai-nos nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. Deste modo alcançaremos misericórdia. Peçamos, portanto, destas três virtudes – oração, jejum, misericórdia – uma única força mediadora junto de Deus em nosso favor; sejam para nós uma única defesa, uma única oração sob três formas distintas.
Que o Cristo de Deus, caminho, verdade e vida, ilumine nosso coração pela sua palavra e nos mostre o que em nós precisa ser mudado para que com ele possamos elevar ao Pai das Misericórdias o mais sublime hino de louvor que brota do fundo dos abismos da humanidade onde Cristo penetrou por sua morte e chega ao mais alto dos céus onde nosso coração se encontra graças à ressurreição de Cristo!

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