quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Preparando a caminhada quaresmal


Graça e Paz!

Caríssimos irmãos e irmãs, com a Quarta Feira de Cinzas demos início a nossa jornada de quarenta dias com Cristo em sua caminhada rumo a Jerusalém. Esta nossa jornada tem seu final, não no Domingo de Ramos e sim na Quinta Feira Santa. Ao celebramos a Ceia do Senhor e o Lava-pés, estaremos entrando mais densamente no Mistério Pascal de Cristo que foi entregue.
Com esta Quaresma somos chamados a rever nossa vida, todas as nossas condutas, nossas escolhas. Somos chamados a converter nossos sentidos, nosso coração, nossa postura frente à realidade de nosso corpo, converter nossas atitudes na vida de oração, na caridade e no jejum.
Pela oração, entramos em comunhão com Deus, pela caridade com os outros e pelo jejum com nossos próprios limites, reconhecendo a soberania de Deus em nossas vidas.
É um tempo de conversão. Mas qual é a chave para a conversão? Como abrir as portas do coração para que possamos verdadeiramente mudar de vida?
A resposta é muito simples: a chave que abre as portas de nossas vidas para a conversão é a escuta da Palavra de Deus. A confiança que nos vem da escuta da Palavra do Senhor. Para muitos, este tempo é de muita violência e por conta disto, chega-se a duvidar da presença de Deus. Dizem que é falta de Deus no coração das pessoas. Contestamos essa idéia porque na verdade o que falta não é Deus no coração das pessoas, o que falta são ouvidos que escutem, meditem e guardem a Palavra do Senhor. Peçamos a Jesus, que se apresenta nesta Quaresma como o Sinal de Jonas, a purificação de nossos ouvidos para que nossa surdez seja vencida e a Palavra do Senhor liberte nossos corações de todas as correntes do egoísmo e maldade, de toda tristeza e covardias, para que testemunhas fiéis, lancemos as bases de um mundo novo!

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O Cristo Adâmico! homilia para o Primeiro Domingo da Quaresma

Diferente de Mateus e Lucas, o Evangelho de Marcos não apresenta o contéudo das tentações sofridas por Cristo no deserto. Para Marcos o mais importante é expressar a relação entre Jesus e Adão. A estrutura da qual este Evangelho é oriunda, dá destaque ao deserto ao mesmo tempo em que nos mostra Jesus entre os animais selvagens. O deserto é lugar da provação, basta lembrar que o Povo de Deus passou 40 anos em uma jornada no deserto em direção à terra prometida. No deserto o povo foi tentado e chegou a duvidar até mesmo da presença de Deus. Agora, Jesus é apresentado no deserto, lugar das tentações e das quedas como aquele que vem para refazer o caminho do Povo de Deus e mostrar como devemos agir diante das ciladas e tentações do inimigo de Deus. Esta presença de Jesus no deserto é um sinal de que Deus deseja fazer uma nova aliança com os homens como expressa a primeira leitura. Jesus é portanto, a Nova e Eterna Aliança entre Deus e os homens, e como apenas Deus pode garantir a fidelidade da Aliança, ele se faz homem e como homem atravessa o deserto das tentações humanas tendo como missão desfazer os laços da desunião, da inveja, da intolerância, da fraqueza da fé. Este Jesus é posto hoje pelo Espírito Santo no nosso deserto. Carissímos irmaos e irmas, quantos de nós não se pôs em conflito com Deus, duvidando de seu amor, a ponto de perder dentro de nosso coração o Jardim da harmonia e comunhão com ele? Mas Jesus presente no deserto, traz um sinal de reconstrução da comunhão, cercado por animais selvagens, ele é o novo adão que é capaz de viver harmonicamente com toda a criação. Estamos diante do Cristo Adâmico, aquele que vai refazer o caminho de Adão, reestabelecendo a ordem e paz, a justiça e a comunhão com toda a criação. É Jesus aqui, neste relato, o homem-Deus que por meio da sua fidelidade pode sempre refazer a ordem, transformando o deserto de nossas vidas em jardim fecundo de alegria e esperança. Ao mesmo tempo, esta comunhão trazida por Jesus não é apenas com a criação, porque ele é servido pelos Anjos de Deus. Abre-se aqui, o caminho para uma nova relação com Deus criador. Abrimos as portas para a plenitude de nossas existências e esta consiste em uma relação nova com Deus. Jesus é assim o encontro entre os caminhos de Deus e os dos homens. É o ponto de harmonia entre criatura e criador, por meio dele, a humanidade é reconciliada e justificada no Amor. Daqui vem a Boa Notícia anunciada por Jesus, e esta consiste em apresentar a religação entre os homens e Deus e entre os homens e a criação, todavia esta só é possível a nós no momento em que entramos em comunhão com nossa própria vida. Reconciliados com o que a de mais humano em nós mesmos, poderemos nos harmonizar com Deus e com a criação. Por isso, "convertei-vos e crede no Evangelho!" Mudemos de vida e façamos do Evangelho o princípio de leitura de nossa vida e realidade, só assim poderemos vencer todas as tentações do inimigo de Deus!
Peçamos a Jesus, o ponto de harmonia entre Deus a humanidade, que nossa vida seja iluminada sempre por sua palavra, que a sua palavra se torne também nossa palavra e assim, possamos corrigir nossa fala em vista de uma sociedade na qual prevaleça o bom senso e o respeito a todos!

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Plano de Ação Pastoral Paroquial (PAPPa) Documento Oficial

PLANO DE AÇÃO PASTORAL PAROQUIAL (PAPPa)
2012 - Ano da Juventude e Eucaristia

Plano de Ação Pastoral Paroquial (PAPPa) - Documento Oficial




Introdução



A nossa paróquia esteve reunida em Assembléia no mês de dezembro e elencou as suas prioridades para o triênio 2012-2014. Temos a alegria de apresentar agora o Documento conclusivo da Assembléia e que ao mesmo tempo é o norteador de nossas atividades para três anos de atividade pastoral. Para melhor atingirmos nosso objetivo, trazemos aqui apenas o que é relativo às prioridades para 2012: JUVENTUDE & EUCARISTIA. Sendo que cada ano trará seu próprio documento com sua prioridade.

Estamos em um tempo marcado por mudanças cada vez mais velozes e profundas. Mudanças políticas, econômicas, sociais, ecológicas e culturais. Estas transformações trazem em si aspectos positivos e também negativos. Do ponto de vista de sua positividade, percebe-se que a diminuição das distâncias promovida pelo rápido fluxo de informações que une o mundo globalizado, possibilita o desenvolvimento de uma consciência de pertença à grande família humana, que embora espalhada pelos quatro cantos da terra, em meio à diversidade de cores e culturas, constitui um único povo.

Todavia, percebe-se que a diminuição das distâncias geográficas por meio da comunicação, não foi acompanhada pela necessária diminuição da distância econômica. Percebemos, pelo contrário, que o fosso que separa ricos e pobres se tornou cada vez mais profundo, o que constitui um escândalo para um mundo cheio da possibilidade de crescimento e estabilidade. Neste contexto, rostos sofridos e marcados pela perda de sentido e pelo obscurecimento da possibilidade de sonhar com o futuro, feridos pela injustiça e violência interpelam a Igreja de Jesus Cristo, exigindo dela uma resposta que atinja o ser humano em sua totalidade, capaz de aproximá-lo cada vez mais do Pai das Misericórdias que entregou seu Filho Jesus como pão para a vida do mundo. Para dar esta resposta coerente com sua vocação missionária, a Igreja, sinal de salvação no mundo, não pode caminhar no escuro, ou em outras palavras no improviso. É necessário planejamento.

Planejar é projetar o futuro. É analisar qual o passo mais seguro a ser dado. Planejamos de acordo com o que é apresentado por Jesus de Nazaré, o Cristo de Deus, tendo a mesma intenção: revelar a vontade do Pai e cumpri-la. Foi assim enquanto esteve pelos arredores da Galiléia curando e ensinando. Do mesmo modo quando reuniu os seus em Cesaréia de Filipe e os questionou acerca de sua identidade, para em seguida os apresentar a necessidade de uma subida a Jerusalém.  E também, quando “sabendo que de Deus saíra e para Ele voltaria, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1).

É necessário planejar sob as luzes do Espírito Santo, pois seu protagonismo missionário supera os enquadramentos daquilo que é planejado. Planejar é evitar a dispersão por meio da orientação das ações, possibilitando a descoberta dos caminhos apontados pelo Espírito Santo que orienta a Igreja para um encontro cada vez mais profundo e produtivo com Jesus e sua Palavra que nos interpela e nos desafia a responder coerentemente aos desafios do cotidiano.

Um planejamento pastoral não cai pronto do céu, mas é feito a partir da leitura dos sinais dos tempos. Sinais estes que devem ser interpretados à luz do Espírito Santo que, no cotidiano de nossa existência, vai fortalecendo em nossos corações os ensinamentos do divino mestre Jesus. Por essa razão, o planejamento deve tocar as vidas de nossas comunidades. Cada um de nós, em sua condição, movimento ou pastoral deve sentir um projeto pastoral como sendo seu, para que desta forma a nossa Igreja consiga, fazer com que a Palavra de Deus ecoe por todos os cantos da terra, na certeza de que Ele, o Filho de Deus e nosso irmão, sempre estará ao nosso lado a nos motivar para uma ação missionária verdadeiramente libertadora, educando-nos por sua Palavra e Celebrando sua vida unida à nossa como oferta a Deus.

Para que consigamos elaborar um projeto que atenda a estas necessidades, precisamos conhecer nossa identidade, a realidade onde nos encontramos, tanto como Igreja quanto como sociedade. Este Plano de Ação Pastoral Paroquial, carinhosamente chamado de PAPPa, está dividido em três partes:



Parte I - Esta tem como finalidade uma breve apresentação do que vem a ser a Igreja para que em nossos grupos, em nossos conselhos comunitários e em nosso Conselho Pastoral possamos debater sobre a nossa Identidade;



Parte II – Apresentamos algumas linhas de trabalho relativos à catequese e liturgia para que possamos servir melhor à educação na fé de nossas crianças. Nesta parte há um micro subsídio que pode muito bem servir à formação individual de nossos catequistas.



Parte III – Na segunda parte, temos como finalidade apresentar as linhas gerais do que vem a ser o serviço aos jovens e do que pretendemos.



Que o Cristo, Bom Pastor, servo de Deus e bom samaritano, esteja sempre a nos conduzir com suas mãos estendidas em nosso favor, protegendo nossas vidas contra o mal presente no mundo!



Dado e passado em São Pedro e São Paulo, no dia 22 de fevereiro de 2012, por ocasião da Celebração da Quarta Feira de Cinzas, abertura do ciclo Quaresmal.









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Padre Dalmo Radimack

Administrador Paroquial de São Pedro e São Paulo



















        




Parte 1

O que significa igreja?



            O vocábulo deriva do grego ‘ecclesia’ (εκκλησία) passado tal e qual ao latim. No grego profano indicava especialmente a assembléia dos cidadãos livres convocada oficialmente para decidir questões de interesse comum, e em seguida qualquer assembléia pública.

No sentido religioso cristão é a convocação feita por Deus Pai através da missão de Jesus e do Espírito, para fazer entrar na própria vida divina o conjunto das pessoas unidas por causa dessa convocação. O termo ‘convocação’ significa um questionamento da liberdade, não uma mera proposta ou, ao contrário, uma forma de imposição (cf. parábola das bodas de Mt 22, 1-14// Lc 14,16-24).

Não se trata de uma assembléia reunida para tomar decisões e traçar planos, mas para ouvir o Senhor e responder a Ele.

Não é uma associação, um clube, voltado para o bem dos próprios membros, num espaço particular das atividades humanas.

Não é uma agremiação espontânea, natural, baseada em necessidades vitais.

Não é uma congregação de pessoas que se reúnem por própria iniciativa.

Não é como a nação ou a família, à qual se pertence sem opção de escolha.



Extensão do termo no uso cristão.



            Além de exprimir o próprio ato de chamar ou convocar, um acontecimento, Igreja indica:

              a comunidade de culto no ato de oferecer o sacrifício que realiza a comunhão com Deus:

            2º a comunidade local toda que vive, a partir do culto, a sua vida inteira e o envio ao mundo;

3º o conjunto das comunidades espalhadas pelo mundo, ou numa região, mas relacionadas entre elas;

4º a totalidade dos cristãos espalhados pelo mundo, portanto, a Igreja ideal;

            5º uma comunidade particular – uma comunidade religiosa, uma associação, uma família¹;

6º a instituição, denominada então eclesiástica, pelo fato de organizar e estruturar a vida das comunidades, e constituída de dirigentes, de estruturas, de obras, de leis e de serviços;

7º a casa ou edifício onde as pessoas se reúnem para o culto, que não é templo nem sinagoga. Estes dois últimos usos do termo estão ausentes no Novo Testamento.



            O aspecto de convocação presente no termo ‘igreja’ possui dupla valência, indicando tanto a igreja já convocada por Deus, como a Igreja que convoca em nome de Deus. Portanto, as pessoas não se reúnem para encontrar um espaço onde viver afinidades naturais, onde enfrentar problemas e satisfazer expectativas pessoais ou comuns, mas para descobrir e alimentar a comunhão na mesma fé e amor à Igreja universal, porque para isso foram chamados por Deus.



           







A Igreja como sujeito e objeto de fé



Não há dúvida que a Igreja é formada por pessoas que vivem da fé em Jesus e respondem à sua convocação. Mas a Igreja é também objeto de fé? O que significa na profissão de fé: “Creio na Igreja”?

            Por ser a Igreja, após a época da sua constituição, anterior às pessoas, as que aderem à fé na comunidade, reconhecem, implicitamente pelo menos, que a Igreja realmente existente foi convocada pela Trindade, e é isso que justifica o querer ser membro dela. Reconhece-se que é necessário não só crer em Deus ou em Jesus, pois a Igreja é sentida como meio necessário para estar unido a Cristo. Simpatia, afinidade, tradição, educação familiar, necessidade natural de agremiação não constituem, pois, motivos exclusivos, como não deveriam ser os principais. Não cremos na Igreja por ela mesma, ou por verificarmos no seu desempenho que ela merece crédito, mas cremos na promessa de Jesus, porque Jesus a chama de ‘minha’ (Mt 16, 18s; 28,20).

            Todavia, a Igreja por si mesma não é objeto de fé, pois a fé plena se dirige somente a Deus. Nós somos convidados a crer em Deus que convoca a humanidade a se constituir como Igreja, cremos na Igreja por ser obra de Deus, cremos em tudo o que a Igreja é por estar unida a Jesus. Não é à Igreja que respondo, mas com a Igreja e como Igreja respondo a Deus. Responder como Igreja é condição ideal da validade da resposta pessoal.

Plano de Ação Pastoral Paroquial (PAPPa) - Documento Oficial

O R I G E M D A I G R E J A





            É verdade de fé que Jesus instituiu a Igreja, seja em virtude da própria natureza das suas ações, como através de uma intenção explícita manifestada em decisões concretas. Trata-se de uma convicção afirmada constantemente e explicada de várias maneiras pelo magistério ordinário representado pelo Papa de forma solene. São muitos os verbos usados, com maior ou menor propriedade, para descrever o modo como a Igreja está ligada a Jesus pela sua origem: Cristo instituiu, constituiu, fundou, fundamentou, edificou, estabeleceu, convocou, formou, organizou, inaugurou, erigiu, iniciou, preparou, habilitou, criou, quis a Igreja. A Igreja surgiu, nasceu, provém, vem, deriva de Cristo. Por vezes os teólogos usam verbos diferentes para cada aspecto ou fase da gênese da Igreja.



O mistério de Cristo



Teologicamente, a Igreja está ligada pela raiz ao próprio mistério de Cristo. Desde toda a eternidade o desígnio do Pai estabeleceu o Cristo Jesus como centro de tudo (Ef  1,10; Cl 1,15-20), por meio de quem e para quem tudo foi criado (Jo 1, 3; Cl 1,16; Hb 1,2s). A manifestação histórica desse plano implica a existência de várias etapas de realização (Cat. 758-769). A Igreja existe desde que o Filho foi predestinado a ser cabeça, sendo a formação da cabeça o pressuposto para a formação do corpo.

            Pelo mistério da encarnação Jesus se une a todos os homens, mas especialmente àqueles que de fato irão ter com ele uma relação pessoal. Por ser Jesus quem é, não simplesmente um homem mais santo do que os outros, cria, com os que estão com ele, uma relação absolutamente original, que forma um grupo diferente de qualquer outra forma de agremiação.



A pregação e instauração do Reino de Deus abrem um espaço para o surgimento da Igreja no tempo entre a partida de Jesus e a sua segunda vinda. De fato, diferentemente de João Batista, Jesus afirma ter já iniciado um Reino (Lc 17,20s) que irá se afirmar e crescer aos poucos, em meio a muitas contradições. Vejam-se as parábolas do Reino (Mt 13) e as que apontam para uma segunda vinda futura, só então gloriosa (Mt 24, 45-51; 25, 14-30; 31-46). O tempo da graça (Lc 4, 19) é o tempo dado a todos para a conversão e a decisão humana de colaborar com a obra do Reino (2Pd 3,9).

            A última ceia com a instituição da eucaristia cria e alimenta um grupo absolutamente original, pelo fato inédito de Jesus dar a si mesmo como alimento. A eucaristia é o sangue da Nova Aliança onde o ‘fazei isto em memória de mim’ ressoa o ‘faremos tudo o que o Senhor disse’,  expressão com a qual Israel é estabelecido como povo da Aliança (Ex 24, 7s). Com o ‘isto é o meu corpo’ Jesus não assinala somente o pão como seu corpo físico, mas também os que o tomam como seu corpo místico, como se dissesse “vocês são o meu corpo daqui por diante”. A comunhão eucarística não tem por finalidade somente a santificação das pessoas, mas a formação do corpo que é a Igreja.

            Pela sua morte e ressurreição Jesus se torna o novo Adão, do qual provém necessariamente uma nova humanidade, e isso é a Igreja (At 20,28; Cat 766). Por seu estado glorioso estabelece com os discípulos uma forma inédita de relação, um grupo necessariamente diferente de qualquer outro.



Atos históricos da fundação da Igreja por Cristo



            A intenção e decisão consciente de criar a Igreja aparece em momentos sucessivos e em atos explícitos durante a vida de Jesus.

            O chamado especial de alguns discípulos (Mc 1,16-20//Mt 4,18-22; Lc 5,1-11; Jo 1,36-39; 15,16), e em seguida a escolha de doze entre eles aos quais comunica as suas faculdades, tendo Pedro à frente (Mc 3,14s). O número doze evoca as doze tribos que constituíram o antigo Israel (Mt 19,28; Lc 22,30). É possível que a intenção ainda não seja clara no momento do chamado, mas irá se tornar tal à medida que ficar evidente a recusa de Israel de reconhecer em Jesus o Messias. Jesus, rejeitado, era Messias sem povo; era preciso que adquirisse um povo através do resto de Israel que entra a formar o novo povo estabelecendo a conexão.



      Quais os dons e faculdades que Jesus transmitiu aos apóstolos?

      A sua presença eficaz (Mt 28,20) e a presença do Espírito (Jo 14,16s.25s; 15,26s; 16,7-15).

      A sua presença na eucaristia como sua memória a ser renovada (Lc 22,19; 1Co 11,24).

      A sua doutrina, palavra e oração (Mt 18,19s; Lc 11,1s).

      Uma estrutura baseada no colégio dos doze tendo Pedro à frente (Mc 3,13-19; Mt 16, 18s).

      A sua missão como um todo (Jo 17,18; 20,21; Mt 28,18s; Mc 16,15) e em especial a missão e o poder de perdoar (Mt 18,18; Jo 20, 21-23; mas como pode transmitir a eles o que é próprio somente de Deus?), de dirigir (Mt 16, 17-19), de pregar, exorcizar e batizar (Mc 3,14s; Mt 28, 18-20).

       Seria preciso analisar os discursos missionários: Mc 6, 7-13; Mt 10; Lc 9,1-6.



            Habitualmente se diz que a Igreja nasceu no dia de Pentecostes. Isso vale se entendemos que ela foi concebida e mantida em gestação bem antes, através da obra e da pessoa histórica de Jesus. Daí a afirmação que Pentecostes constitui a manifestação pública da Igreja e o início do ministério dos apóstolos e discípulos. Note-se como, diferentemente do batismo que é individual, os apóstolos recebem como grupo, enquanto estão reunidos, as línguas de fogo do Espírito. A comunidade primitiva vive como grupo uniforme e distinto dentro de Jerusalém (At 2, 42-47; 4, 32-35; 5, 12-16). O Espírito é o dom por excelência do Cristo ressuscitado, dado aos que creram nele.

            A Igreja, prefigurada desde a origem do mundo pelo desígnio do Pai, preparada por Israel, instituída por Cristo e manifestada pelo Espírito, será consumada no fim dos tempos (Cat 759).

            Fundar não significa determinar todos os elementos e estruturas que constituem a Igreja atual, mas é dar início a algo permanente que se desenvolve e se adapta coerentemente a partir de um núcleo inicial.

           

A Igreja popular



            Expressão comum na América latina, significando a Igreja que nasce do povo, entendendo-se por povo a multidão dos pobres devido à opressão, marginalização e exclusão.

            A expressão pode ter um sentido válido quando se propõe uma presença maior da Igreja nas classes populares, uma preocupação pastoral em dar voz e vez àqueles que não as tem, e quando não se reduz sociologicamente o sentido de povo, embora seja evidente que as massas empobrecidas constituem a maioria da população latino-americana. A expressão representa uma reação a uma Igreja ligada preferentemente à elite política e econômica, contentando-se em relação aos pobres de promover obras assistencialistas. A Igreja é feita para o povo, não para si mesma, não para alguns privilegiados. O povo é convocado para uma participação consciente e ativa na vida da Igreja, deixando uma postura passiva e subalterna, dinamizando a vida eclesial.

            A expressão é ambígua porque parece esconder a origem divina da Igreja, que nasce de uma iniciativa do alto, de Cristo e do Espírito, e não da iniciativa popular. Popular não pode ser entendido por oposição a divino ou também a hierárquico, mas quer afirmar que a Igreja não nasce da hierarquia, mas que ela tem uma estrutura hierárquica que procede de Cristo para o serviço do povo.

           

A  N A T U R E Z A  D A  I G R E J A



A. A IGREJA SACRAMENTO



O termo latino ‘sacramento’ assimilou o sentido grego de ‘mistério’ como é usado por Paulo. Chama-se especificamente ‘Mistério’ o projeto do Deus Criador e Salvador como realização externa de seu poder, sabedoria e amor em favor da humanidade (Ef  3; 5, 25-32).

Com isso pretende-se apresentar a Igreja como uma combinação única de dois aspectos indissociáveis (Sacrossanctum Concilium 2; Lumen Gentium 8):

- um visível, temporal, terreno, humano, sociológico, institucional, presente  em pessoas e estruturas concretas e bastante facilmente identificáveis;

- e uma invisível, eterno, espiritual, divino, teológico, carismático e místico, portanto oculto para quem não tem fé;

- sendo que o visível é sinal do invisível e o contém;

- o invisível está no visível, se realiza e se mostra nele, mas ao mesmo tempo o transcende;

- o visível está sujeito ao invisível, sendo ordenado a ele;

- o visível garante o invisível como penhor da salvação plena, como realização parcial do processo da salvação já iniciado e levado adiante por ele;

- o visível é, assim,  instrumento do invisível.

Por ser mistério, a Igreja nunca é perfeitamente conhecida, é muito mais do que parece ser, sua essência não se esgota, exprimindo-se, porém, através de símbolos.

Do que a Igreja é sacramento, ou o que é mais precisamente o invisível? A comunhão com o Deus Trino, a salvação universal, a unidade do gênero humano (do ponto de vista da fé), o Reino já presente e direcionado para a plenitude futura. Dito de outra forma: a Igreja é sinal unido ao significado ao repropor e atualizar os atos passados do Cristo histórico, ao introduzir na participação atual da salvação, ao antecipar a plenitude futura. Nesse sentido, o cristão não é uma pessoa do passado e sim do futuro.



O Vaticano II privilegiou esse modo de expressão:

Celebrações da Igreja, sacramento da unidade: Sacrossanctum Concilium  26 e SC 2.

A Igreja é sinal elevado entre as nações sob o qual são reunidos os filhos de Deus ainda dispersos:

A Igreja é em Cristo como que o sacramento ou o sinal e instrumento da união com  Deus   e  da unidade de todo o gênero humano: Lumen Gentium 1;Gaudium et Spes 42.

A Igreja é para todos e para cada um dos homens em particular, o sacramento visível dessa unidade de salvação:  LG 9.                                                                              

Cristo fez  do seu corpo, a Igreja, sacramento universal de salvação: LG 48; GS 45.

O mesmo Senhor fundou sua Igreja como sacramento da salvação: Ad Gentes 5.

É necessário olhar e considerar tudo o que é visível sempre e tão somente  como mero instrumento, mesmo que necessário, importante e válido, instrumento unido ao que veicula. A Igreja não é uma preparação ou um meio para chegar ao divino ou ao Reino, mas já é o início real desse Reino. Trata-se de evitar os extremismo eclesial, que só admira e considera o divino e o espiritual na Igreja, rejeitando o humano (só o espiritual é divino, o visível é humano) ou idealizando-o (tendência protestante). Trata-se, de evitar a separação do divino e do humano. Deve-se evitar também uma tendência que considera e valoriza a Igreja tão somente pelo que tem de humanamente aceitável, confiando nas suas estruturas por elas mesmas ou subvertendo-as como se fossem meramente humanas.

A Igreja é assim como o próprio Jesus, com sua divindade oculta, mas realmente presente em sua natureza humana íntegra e verdadeira. A Igreja é assim um prolongamento da encarnação de Jesus, dos seus mistérios todos, encarnação que ela estende para todos os tempos e lugares. Como Jesus, a Igreja é também, ou mesmo mais ainda, sinal de contradição e pedra de escândalo, levando as pessoas que se embatem com ela a manifestar os segredos dos corações (Lc 2 34s). Como se deu com Jesus, também a Igreja pode ser percebida como um fantasma (cf Mt 14,26//Mc 6,49), provocando desconfiança e afastamento. A Igreja não se identifica sob todos os aspectos com Cristo, não é pura transparência; por isso na Igreja sempre há coisas a serem suportadas, superadas e julgadas, não só a serem adaptadas e atualizadas.  Por ser mistério, a Igreja é indefinível, uma essência que não se esgota.

Se a Igreja como tal é sacramento, cada elemento que a compõe participa de maneira diferente dessa qualidade, mesmo que não sejam denominadas assim (como os ministérios, os carismas e outros). Assim, destacaram-se os sete sacramentos que são celebrações, havendo celebrações que não recebem esse nome (por ex., culto ecumênico, visita aos doentes) e realidades que podem ser qualificadas como sacramentos sem serem celebrações (leitura bíblica, água benta, o próprio ministro ou todo irmão e outras mais).

A Igreja é denominada sacramento universal, primordial ou fundamental. Como sacramento universal da salvação, a Igreja presente neste mundo é o penhor de que a humanidade está impregnada da vontade salvífica de Deus.

Deus Pai só pode ter um Filho, que concentra todo o seu amor, nada sobrando para outros. Deus Pai, para nos amar, precisa nos incluir no seu Filho no qual tudo recapitula. Por isso, a salvação não pode ter caráter individualista, pois a nossa inclusão em Cristo é exatamente a Igreja.



b. O  POVO  DE  DEUS



O termo ‘povo’ é extremamente rico de significados, prestando-se a muitos usos e sentidos, em português e também em outras línguas, inclusive nas bíblicas. É preciso perceber a lógica dessa variedade e identificar vez por vez o alcance do termo.

Em geral entende-se por ‘povo’, elencando os principais sentidos:

- um conjunto de pessoas que mantêm entre si pelo menos um dos seguintes laços de unidade: sangue, território, história e cultura (língua, tradições, costumes, instituições, interesses, religião);

      -  o conjunto de cidadãos de um país em relação a seus governantes;

      -  o conjunto dos cidadãos por oposição a uma elite econômica e aos dirigentes;

      -  o conjunto das pessoas que pertencem à classe mais desfavorecida, base da sociedade;

      -  uma multidão de pessoas.

O termo pode ser usado como praticamente sinônimo de nação (conceito antropológico, a partir das unidades menores da família, clã e tribo), estado (conceito político), gente, país (conceito geográfico), território (conceito geográfico acentuando a unidade e continuidade), comunidade (conceito sociológico, assim como povo e classe).



Diante disso, o conceito bíblico de ‘povo de Deus’ é um conceito original, pois o vínculo primeiro da unidade desse povo não é o sangue, a cultura, nem sequer a religião ou a fé como tal, mas essa fé específica em Deus que livremente, gratuitamente, escolheu e formou um povo, que por isso é o seu povo, dando descendência ao velho Abraão, tirando da escravidão, doando a terra e a Lei. É essa eleição divina que confere unidade ao povo, anteriormente a obras, instituições e diferenças de funções. Essa eleição, presente em Deus desde toda a eternidade, tem sua primeira manifestação histórica na vocação de Abraão, tem sua meta na unidade final da realização da promessa feita a Abraão, e tem seu dinamismo no direcionamento de todos os fatos para a realização dessa promessa. Forma-se a Igreja quando começa a se realizar a bênção que Abraão foi destinado a ser para todos os povos (Gn 12,3) através da sua descendência, Jesus (Gl 3; Rm 4). Nesse sentido Jesus cumpre as promessas feitas aos pais e a Igreja é o próprio Israel assumindo suas dimensões universais para as quais foi escolhido.

 O Novo Testamento ignora a expressão ‘novo povo’, embora trate da nova Aliança, pois o povo de Deus permanece um só, na preparação e na realização das promessas. É complexa a questão da relação entre a Igreja e a sinagoga, e talvez a teologia ainda não encontrou os termos exatos da articulação entre ambos. Mateus pensa segundo a teoria da substituição ou deslocamento: a Igreja toma o lugar de Israel como povo de Deus. Lucas pensa em termos de inclusão: ao Israel crente (o resto) são acrescentados os gentios crentes e juntos formam o povo de Deus. Próxima a esta é a teoria da extensão: os privilégios de Israel são ampliados para os pagãos crentes. Paulo mantém Israel em seu privilégio de povo no qual é enxertada a Igreja, mas prevê a recuperação plena de Israel quando os gentios tiverem crido (Rm 9-11). Estevão acentua  a continuidade entre Israel antigo, anterior ao Templo, e a comunidade cristã (At 7).

Não é comum entre os cristãos sentir a história do Antigo Testamento como a própria história, os patriarcas e outras figuras como pertencentes à sua vida e genealogia espiritual. Assim como um estrangeiro vindo a São Paulo no século XIX pode incorporar a história da cidade desde a fundação como sendo sua história, assim deveríamos sentir como nossa toda a história de Israel e nos considerar descendentes e herdeiros de todos os tesouros dos santos do antigo Israel (cf. 1Cor 10,1).

Na passagem do Antigo para o Novo Testamento, a Igreja não absorveu os aspectos políticos, econômicos e culturais do conceito de povo, permanecendo somente o que combina com a ‘ekklesía’ convocada pela palavra. Deixa o que Israel tinha como povo e permanece o que tinha como de Deus. Para traduzir a bênção para todos os povos privilegia a fé e relativiza a pertença à raça e todas as instituições, consideradas agora como pertencentes à preparação, não à realização das promessas. A fé que salva é como a fé de Abraão, que creu sem ter garantias, uma fé colocada à prova quando do sacrifício do filho da promessa. Deus suspende a provação porque só Ele irá sacrificar o seu Filho, bastando para Abraão a fé.

Foi o Concílio Vaticano II que colocou a categoria ‘povo de Deus’ na primeira linha da compreensão da Igreja. Tratou-se de uma reação a uma concepção da Igreja vista por demais a partir da hierarquia, como se fosse esta a dar origem à comunidade crente e até mesmo a constituí-la. Seria, contudo, outra forma de distorção, o extremo oposto, dentro de certa concepção da Igreja popular, como se fosse o povo, no conceito classista, a formar a Igreja.

O conceito de ‘povo de Deus’ tem a vantagem de acentuar a unidade e igualdade de todos os membros da Igreja, a continuidade entre o Antigo e o Novo Testamento, a dimensão dinâmica, histórica e escatológica da Igreja. Por outro lado, deixa na penumbra as relações pessoais com Cristo, não conota a estrutura visível e os bens escatológicos já possuídos. Ora, se recorremos a várias categorias para entender a natureza da Igreja é porque esta é um mistério a ser abordado sob diferentes pontos de vista complementares.

Quanto à natureza escatológica e peregrina do povo: LG cap.VIII; Quanto à visão universalista no AT cf. 1Rs 8,41-43 (acolher o estrangeiro); Gn 12,3 Bíblia de Jerusalém; 18,18; 22,18; 26,4; 28,14; Sl 72,17; Jr 4,2 (Abraão bênção para as nações);  Is 49,6; 51,4; Zc 8,13 (Israel luz e bênção das nações); Sl 22,27-31; Is 2,2s; 25,6-8 BJ; 56,6-8; 60,11-14; 66, 18-23; Mq 4,1s; Sf 3,9s; Zc 8,20-23; 14,16; Tb 13,11;14,6s (peregrinação dos gentios a Jerusalém); Sl 87 BJ; Is 19,18-25; Jn 3,5-4,11 BJ; Zc 2,11; Ml 1,11 BJ (adoração de Deus fora de Israel).

Plano de Ação Pastoral Paroquial (PAPPa) - Documento Oficial

c. CORPO MÍSTICO DE CRISTO



A Igreja é convocada para ser corpo de Cristo, para manifestar como sacramento o valor místico do corpo, uma Igreja que é corpo social por ser Povo de Deus, uma Igreja fundada por Cristo a partir de sua Pessoa e de seus mistérios.

Até o começo da Idade Média entendia-se por corpo místico a eucaristia, sendo a Igreja chamada de ‘corpus verum’ (corpo verdadeiro) sendo que no século XIII as correspondências se inverteram. A expressão ‘corpo místico’ encontra-se pela primeira vez no Magistério na bula ‘Unam Sanctam’ (Una e Santa) de Bonifácio VIII em 1312.  Na Idade moderna, a expressão ‘corpo místico’ foi abandonada, pois parecia favorecer os protestantes em sua concepção de uma Igreja puramente espiritual e invisível, oposta à Igreja instituição, corpo social e jurídico.

 Comparar um grupo social a um corpo é uma analogia espontânea e portanto universal, mas a compreensão cristã é original, derivada da novidade da obra de Cristo.

No cristianismo a visão não é cosmológica, nem sociológica e nem física, mas histórica e sobrenatural, por ser ligada à ação histórica de Jesus enviado pelo Pai em vista de uma nova criação.

Deve-se a São Paulo essa compreensão da Igreja. Já o próprio Jesus introduzira uma imagem análoga, de tipo vegetal e não antropológico, a videira e os ramos (Jo 15).



As 18  passagens paulinas – segundo um certo critério de análise - podem ser reunidas em dois grupos, um primeiro presente sobretudo nas grandes cartas e o segundo nas cartas do cativeiro:

- No primeiro grupo o Cristo é a totalidade do corpo do qual somos membros, ou a Igreja é a totalidade visível do Cristo presente nela de modo invisível:

1Cor 12, 12-27  (corpo de Cristo);  Rm 12, 4-8  (corpo em Cristo);

1Cor 1,13; 6,15-17; 10,16s; Gl 3,28; 4,19.

Nas cartas do cativeiro:  Ef 4, 4.12s.25; Cl 1, 24; 3,11.15.

Igreja corpo de Cristo é a comunidade local, qual organismo vivo, exortada a cultivar a diversidade dos carismas como expressão da unidade, através do serviço mútuo da caridade. O realismo do corpo aparece nas expressões: “formamos um só corpo em Cristo”, e não “formamos um só corpo como Igreja’; ainda: “assim acontece com Cristo”, e não “assim acontece com a Igreja”; ainda: “estaria o Cristo dividido?” (1Cor 1,13), e não “estaria a comunidade dividida?”. A imagem é inspirada na eucaristia e no batismo.

                 

-  No segundo grupo  o Cristo é apresentado como a cabeça do corpo do qual somos os membros:

 Ef 1, 22-23; 2,16; 4,15s; 5,23.29s; Cl 1,18-20.24; 2,17-19.

Corpo de Cristo é a Igreja universal, cuja atuação envolve também o cosmos, pois o Cristo é Cabeça também das potências cósmicas e da humanidade inteira, não só da Igreja. Mas se Cristo é Cabeça do universo, sua  Igreja é seu corpo, e através desse corpo Cristo exerce seu influxo universal. Daí a missão da Igreja não só de manter a unidade interna, mas também de ser força de reconciliação entre todos os homens. A imagem é inspirada na Cruz de Cristo.

‘Cabeça’, representa o mais elevado, o melhor, o comando, a autoridade, a proeminência, enquanto que, do ponto de vista grego, o princípio do qual emana o fluxo vital.

Como temas análogos encontramos em Paulo:

- o tema da recapitulação: Ef 10;

- e do ‘pleroma’, que significa  plenitude: Ef 1,19.22s ; 3,19; 4,13 ; Cl 1,19 ; 2,9s; (cf. Jo 1,16).

      Pleroma é o que tudo preenche: A Palavra preenche o mundo, o Cristo preenche a Igreja. Pleroma diz respeito ao mundo como um todo, corpo diz respeito às pessoas.  Neste último caso há três interpretações possíveis:

- A Igreja completa o Cristo; Ela dá à Cabeça o que esta não tem por si só (sentido passivo);

- O Cristo completa a Igreja, pois esta sem Ele nada é, é esvaziada de sua substância (ativo);

Cristo confere à Igreja, seu corpo, um dinamismo de crescimento até atingir a maturidade da Cabeça (Ef 4,13);

- O Cristo se completa através da Igreja: a Igreja não existiria sem o Cristo; o Cristo não poderia exercer sua missão sem a Igreja e por isso a fundou e a ligou a si (sentido médio).

Como cabeça, corpo e plenitude, Cristo recapitula, isto é, concentra, resume tudo, Deus e o  homem, a realidade material e espiritual, o passado e o futuro, o Antigo e o Novo Testamento, o princípio e o fim da história, Ele é o Alpha, o Omega e o eixo central. Dele tudo deriva para os fiéis serem parte viva do seu corpo. Corpo físico é o Cristo terreno, o Cristo glorioso e o Cristo eucarístico. Corpo místico é a Igreja do ponto de vista da fé. Corpo moral ou social ou jurídico é a Igreja do ponto de vista da razão.

A Tradição desenvolveu mais o tema com a doutrina da Igreja Corpo da Trindade e do Espírito Santo,  alma da Igreja, corpo de Cristo.

Se cada indivíduo é uma pessoa física, se falamos de pessoa jurídica e de pessoa conjugal, a Igreja é pessoa mística.

A imagem do corpo traduz a idéia de um organismo vivo, com ligações e articulações internas e estreitas, uma vida que vem de dentro, com diversidade complexa e enriquecedora na pluralidade de membros e funções, indicando as várias e insondáveis maneiras de ser cristão. Os membros, por sua vez, por quanto saudáveis e preciosos, permanecem vivos só se souberem se manter na unidade vital do corpo inteiro. Por outro lado, um órgão enfermo se mantém vivo se integrado ao corpo.

A Igreja não é acrescentada ao Cristo, mas surge dele, é unificada vitalmente por ele a partir de dentro. Jesus pensou uma continuidade de sua obra de uma forma que não dependesse por demais só da liberdade humana, pois a unidade do corpo prevalece sobre todas as divisões (o corpo não pode se desfazer dos membros e os que se dividem mantêm sempre um laço), não é perturbada pelas diferenças e variedades, antes é enriquecida.

 O adjetivo ‘místico’ acrescentado a ‘corpo’ serve para distingui-lo do físico em geral, onde os membros e órgãos visam tão somente o bem do conjunto e não o bem da cada órgão-pessoa. Distingue-se também do corpo físico de Jesus, terreno e glorioso. A associação do corpo físico e do corpo místico forma o Cristo total.

O adjetivo ‘místico’ não se encontra nas cartas paulinas, mas ele é condizente com a visão do apóstolo sobre o Mistério, isto é, o plano de salvação que organiza todas as obras de Deus, assim como a missão do Filho e do Espírito. De fato, “místico” é o adjetivo de mistério. Em conseqüência, o adjetivo ‘místico’ não qualifica esse corpo como impreciso, indeterminado, imaginoso, misterioso em sentido vago, metafórico, uma pálida imagem do real e físico, mas qualifica o corpo da Igreja por sua pertença à realidade do mistério, do projeto de Deus para o futuro definitivo da humanidade.

Trata-se de um corpo real e verdadeiro, embora não reduzido ao aspecto físico e visível. Por ser corpo ‘místico’:

- os membros estão unidos imediatamente e diretamente ao Cristo ressuscitado;

- é objeto de fé, não alcançado adequadamente pelas ciências;

- distinto do corpo como unidade social, jurídica, moral, política, psicológica;

- é o corpo ideal, definitivo, como Deus pensou e a partir do qual existem os corpo físicos;

- o cosmos por si só não é o grande corpo dirigido pelo Lógos, como pensavam os estóicos;

- o corpo de Cristo, seu instrumento de ação, não é o céu, os anjos, as energias físicas, a mente, a humanidade, mas exatamente a Igreja;

- corpo místico é o visível unido ao invisível na Igreja, não só um dos dois aspectos; o Cristo não é a parte invisível do visível, pois a Igreja por ser de Cristo é em si mesma visível e invisível;

- por sermos membros do corpo, somos e vivemos muito mais de quanto a consciência capta.



Na atual separação de igrejas, qual a relação entre o corpo místico e as várias igrejas? A redação final da Lumen Gentium 8, após amplas discussões, optou pela fórmula: “Esta Igreja, constituída e organizada neste mundo como uma sociedade, subsiste na Igreja Católica...embora se encontrem, fora de sua estrutura visível, vários elementos de santificação e de verdade.” Portanto, a Igreja de Cristo, como seu corpo místico, se realiza plenamente na Igreja Católica, mas se encontra de um modo incompleto e imperfeito em outras comunidades cristãs. A verdadeira Igreja de Cristo toma formas concretas e visíveis, salva e santifica.









d. ESPOSA DE CRISTO



         Tal denominação não é hoje muito valorizada, pois parece meramente metafórica, sem consistência teológica, até mesmo sentimental, edulcorada, inadequada para a nossa sensibilidade. A isso se soma a tendência a separar e distinguir Jesus  da Igreja mais do que a uni-los, a resistência a acentuar a continuidade entre os dois, preferindo-se explorar a descontinuidade.

            A imagem da esposa acentua a íntima união da Igreja com Cristo e ao mesmo tempo a sua distinção e personalidade própria, aspecto que permanece velado na imagem do corpo.

No Antigo Testamento Deus se apresenta como o Esposo do seu Povo: Os 1,2 -3,5;   Jr 2, 1-7; 3; 31,22; Is 54, 1-10; Ez 16; 23; Ct.  Deus é esposo porque ama, não por conveniência de obter filhos, companheira, braços para o trabalho. Deus ama independentemente da infidelidade da esposa, com um amor capaz de perdoar, de vencer a infidelidade, de reconquistar o amor. A vergonha da esposa se torna a vergonha de Deus, por isso ele a assume e cancela. Deus torna a esposa bela e fecunda, porque a ama, não a ama porque bela: Is 62,2-5; Sl 44. Assim, a forma mais terrena e carnal, a mais frágil e mais sujeita ao pecado é que se torna imagem do amor de Deus.

            Ser esposo era título divino. Jesus se apresenta como esposo: Mt 9, 14s; 22, 2s; 25,1; Mc 2,19; Jo 2, 1-12; 3,29. A sua presença traz alegria e motiva a festa; sua ausência traz tristeza e motiva o jejum.

            O tema é explorado por Paulo: 1 Cor 6, 15-17; 2Co 11,2; Ef 5, 21-33. Este último texto é particularmente rico. Paulo trata ao mesmo tempo de três realidades: relação entre Adão e Eva, entre marido e mulher, entre Cristo e a Igreja. Essa visão é então projetada sobre Gênesis 2,18-24.

Trata-se de um mistério, neste caso especialmente, de uma realidade admirável que não conseguimos analisar adequadamente. O motivo da surpresa é a combinação entre a união e a diferença, a identidade e a distinção. É a surpresa alegre de Adão ao exclamar diante do inesperado: “Esta sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne!”.  A Igreja, por um lado, é o corpo de Cristo, por outro é outro corpo, o da Esposa, pessoa dependente que atinge sua maturidade através da dependência; mas também são dois numa só carne. São iguais e diferentes, são um só e são dois.

 Assim como Adão é incompleto e se sente só sem Eva, assim o Cristo Jesus sem a Igreja. Manifesta-se, pois, na relação entre Cristo e a Igreja a própria relação entre o Filho e o Pai segundo a qual um não pode existir sem o outro (Jo 17, 21-23). A Igreja, todavia, não é gerada por Cristo, mas é criada do seu lado, como Eva de Adão, é unida a ele não por geração, mas por união esponsal. Como ensinaram os Padres da Igreja,  a esposa nasce do lado aberto do novo Adão que, na cruz, dorme o sono da morte.

Eva é criada já como esposa e foi dada a Adão como auxiliar a ele semelhante, não como ‘fêmea’; assim a Igreja não tem a mesma função de Jesus, mas uma que lhe corresponde: o que ela tem de diferente combina com Jesus e acrescenta algo a Jesus. Eles são uma só carne: Jesus foi encarnado de certa forma incompleto, mas porque estava previsto que ele se completaria na e com a Esposa.  O ‘nós’ não é a soma do ‘eu’ e do ‘tu’, não é a coincidência de semelhanças prévias, mas é a frutificação do encontro entre o ‘eu’ e o ‘tu’. O ‘nós’ gramatical não é o ‘nós’ teológico, por isso Jesus esposo da Igreja é mais do que a soma dos dois, é o que Jesus só consegue ser e fazer porque  se uniu à esposa. Assim, Adão sentia-se só sem Eva, apesar da companhia dos animais e da intimidade com o próprio Deus.

            Pode-se distinguir várias fases nas núpcias do Cordeiro:

A Encarnação é a escolha do noivo pelo Pai para o seu  povo Israel;

As Bodas de Cana são a apresentação do Noivo e dos seus presentes;

A paixão e a morte são a prova do amor e a dor do parto que gera a noiva;

A ressurreição e Pentecostes são o dote do noivo;

A Parusia é a festa, o banquete nupcial (2Cor 11,2; Ap 19,7s; 21,2.9; 22,17).



Ao se distinguir o matrimônio celeste do noivado na terra, se quer acentuar que  na terra a Igreja nunca consegue se adaptar em tudo ao desejo do Esposo nem desvendar plenamente o seu mistério. A ‘uma só carne’ foi transfigurada pelo Espírito somente no Esposo, e é a santidade dele que supre pelas infidelidades dela.

A Igreja que é noiva, esposa, é feita também Mãe pelo Esposo. Regenerada do pecado, ela se torna Mãe virgem, em Maria no sentido real, na totalidade da Igreja no sentido ideal. A Igreja é esposa fecunda “ex auditu”, ao conceber pela semente da Palavra acolhida no coração.

O amor para a Igreja nasce espontâneo em quem tem fé, não só porque somos a Igreja como Corpo de Cristo, mas também porque a Igreja é a Esposa, amada por causa do Esposo e não só por ela mesma. Por isso, não é indispensável que a Igreja, para quem tem fé, mostre que merece amor pela sua atuação, qualidades e desempenho, pois o motivo principal lhe vem da sua relação esponsal com o Cristo. Desprezar a Esposa fere a honra do Esposo. A Esposa, mesmo feia e inconveniente, em determinados momentos da história, é respeitada e amada por causa do amor do Esposo.

Expressões usadas por pregadores de outrora como “casta meretriz”, exprimem a indignação pela infidelidade de tantos membros da Igreja, mas não a natureza e o destino da Igreja



e. TEMPLO DE DEUS



            Se corpo supunha uma distinção entre cabeça e membros, se Esposo apela para o correlativo Esposa, Templo é um título que se aplica igualmente a Cristo e à sua Igreja.

            Hoje não nos damos conta do grande significado do Templo para os judeus. Para podermos avaliar o alcance da atribuição a Cristo e à Igreja e a continuidade criativa entre Israel e a nova visão cristã, é indispensável que tentemos reconstruir essa concepção.

            O Templo constituía o sinal sensível da presença de Deus no meio do seu povo, o lugar do culto sacrifical, da oração eficaz e da experiência da intimidade com Deus (cfr salmos), e enfim o sinal e a garantia da unidade e da identidade do povo eleito, o sinal da unidade do mundo, da unidade entre o céu e a terra. Toda a liturgia tinha por fim alimentar sensivelmente essa concepção.

            Jeremias previu a destruição do Templo devido à formalização do culto que criava uma falsa segurança dispensando da adesão interior à Lei; devido ao desprezo pela prática da justiça social; devido à complacência com a idolatria em aliança com povos estrangeiros, devido à sua instrumentalização para fins de poder, prestígio e enriquecimento.

            Outra tendência foi a idealização do Templo, como em Zc 14,21, ou em Ez 40, onde a experiência da presença de Deus se faz através de uma reconstrução imaginária, num santuário não feito por mãos humanas. Quando existe o Templo, afirma-se que cumpre perfeitamente a sua missão, espera-se que comunique por ele mesmo a comunhão com Deus (Salmos), prevê-se um Templo perfeito no futuro messiânico. Quando não há mais Templo, recorre-se à representação mental, busca-se uma experiência mística através do arquétipo celeste.

            Deu-se também um processo de espiritualização do Templo, na convicção que Deus habita no humilde e piedoso, ou então no mundo inteiro, ou mesmo na Torá. Os fariseus afirmavam que o Templo é uma vida pura, enquanto que essênios e batistas se afastavam do Templo, horrorizados com a corrupção nele reinante.

Jesus ensina (Lc 19,47) e ora no Templo, não reivindica funções sacerdotais, venera o Templo e apela para o seu significado original (Mt 21,13; Lc 19,46, Mc 11,17), chamando-o de casa de seu Pai. Todavia, prevê  com tristeza a sua destruição (Mt 23, 38; 24,2), o que se torna um argumento deturpado e usado contra ele no processo diante do Sinédrio (Mt 26, 61; 27,40; Mc 14,58).

             Jesus prevê a superação do Templo (Jo 4, 20-24), pois Ele é maior do que o Templo (Mt 12,6), aliás Ele é o próprio Templo (Jo 2, 18-22), pois através dele o Verbo armou sua tenda no meio do povo (Jo 1,14.51; 7, 37-39; 19,34; Cl 1,18s). Ao voltar ao Pai, Jesus entra no Templo celeste, modelo do terrestre (Hb 6,19s; 8,1-5; 9,1-14.23ss; 10,19s).

            Jesus supera o Templo porque realiza o seu significado de um modo superior, além ainda da espiritualização e da idealização dos profetas e dos piedosos. Jesus é o Templo por identidade, não só por representação, vivendo a pericórese trinitária no seu corpo. Ele é o sacerdote e o altar, tendo penetrado no arquétipo celeste, onde intercede por nós; através dele a nossa oração é ouvida pelo Pai. Ele reúne as ovelhas que une ao seu corpo pela eucaristia, fazendo-nos extensão do Templo que Ele é, numa nova solidariedade. Ele realiza a promessa do Templo para todas as nações (Mc 11,17). Ele é a identidade do povo que por causa do seu nome é chamado de ‘cristão’.

Sem que haja contradição nem incoerência, pois se trata de metáforas, o Cristo e também nós somos o Templo, mas somente Jesus é a pedra angular (Mt 21, 42; Ef 2,20; 1Pd 2,4-8 BJ) e Pedro a rocha da Igreja. Jesus é o Templo, parte do Templo, a plenitude do Templo que vai edificando. Templo é a Igreja e cada fiel. Em Ef 2,14-22 se passa da imagem do corpo para a imagem do Templo. Cristo é ainda o plano ou o Templo eterno e celeste que inspira todas as realizações divinas na história e ainda a meta para a qual se dirige toda realização.

            Jesus faz reverter o seu modo perfeito de ser o Templo de Deus para sua comunidade, a Igreja, a ‘minha Igreja’, como a denomina. Embora ‘Ecclesia’ indique a comunidade em assembléia, Jesus a ela se refere como sendo uma construção com portas e chaves, fundada sobre uma rocha, sobre a qual ele vai edificar (Mt 16, 18-19). A linguagem de Jesus refere-se a uma Igreja que é casa, Templo e cidade. Há aqui evidentemente uma combinação da imagem da assembléia com a imagem do Templo de Jerusalém. De fato, esperava-se um Messias que iría restituir o Templo ao seu máximo esplendor e nele reunir os dispersos de Israel (Is 49, 17-22). É esse clima de expectativa que dá sentido à ‘minha Igreja’ de Jesus. Todavia,  Jesus não estabelece a nova Aliança sobre uma construção, mas sobre pessoas vivas que passam assim a ser o seu Templo, o Templo que ele edifica como Messias. Jesus já reivindicara o recinto do Templo para a oração dos pagãos (Mc 11,17); a cortina rasgada no Santuário  (Mt 27,51 BJ) assinala a abertura do Templo para todos, o que se fará com a Igreja após Pentecostes.

Agora, é a própria comunidade dos fiéis o lugar da presença de Deus, atraindo para si todas as atribuições do Templo (Mt 18; Jo 14,23; 1Cor 3,16s; 6,19; 2Cor 6,16; Ef 2,19-22; 1Pd 2,4-8; Ap 3,12). Como o corpo glorioso de Cristo é cheio do Espírito Santo, a Igreja é o Templo do Espírito. Os cristãos oferecem na vida o seu culto espiritual (Rm 12,1s).

            A Igreja futura corresponde não só ao Templo definitivo, igual ao Templo celeste, mas também à nova Jerusalém, à nova Sião (Ap 21-22).

            Tudo o que é próprio da atividade da Igreja e para a Igreja é denominado de ‘edificante’: assim especialmente a Palavra (At 20,32; Jd 20; Rm 15,20; 1Co 8,1; 10,23; 1Ts 5,11).

            Nós cristãos, não perdemos o Templo, o sacerdócio e os sacrifícios como os judeus, mas temos um que não depende dos homens para agradar a Deus e cumprir com perfeição as suas funções, um Templo que agora se tornou realmente uma síntese do universo e que está em todos os lugares (Jo 4, 23), um Templo que não só freqüentamos, pois dele participamos.

A Igreja é Templo do Espírito Santo, assim como este é a alma do Corpo. O Templo de Jerusalém ficou cheio da nuvem no dia da consagração (1Rs 8, 10-13; Ex 13,22 BJ), a mesma que envolveu o Cristo transfigurado. O Espírito, dom do Cristo ressuscitado (Jo 14, 26), confere unidade, conexão das partes, e vitalidade, exercício adequado das funções.



f. IGREJA COMUNHÃO



            A profissão de fé pode ser interpretada da seguinte maneira: “Creio no Espírito Santo, que faz santa e católica a Igreja e a torna comunhão de santos”. A expressão ‘comunhão dos santos’ trata-se de uma afirmação coerente com uma Igreja definida como Povo da Aliança, Corpo de Cristo e Templo de Deus, uma Igreja que então será una e católica, como se tratará mais adiante.

A Igreja como comunhão dos santos é a manifestação, a participação e a comunicação da pericórese (comunhão) trinitária. Se as Pessoas divinas só existem como Trindade, a pessoa humana tem por vocação existir como comunidade que continua a Trindade. A unidade e pluralidade divinas são o quadro ideal, o protótipo, a imagem primordial da relação entre indivíduo e coletividade, que, na medida em que se aproxima da referência trinitária, constitui uma comunidade.  A índole social do homem não é tão somente reflexo da sua pobreza, mas é a expressão da plenitude da Trindade, a cuja participação o homem é vocacionado. A pobreza degradante está na dificuldade de reconhecer e realizar a índole social cristã.

Em virtude da comunhão, a comunidade pode se resumir num único representante (personalidade representativa) e pode ser expressão de um membro particular (personalidade corporativa). Evidentemente, é isso o próprio de Jesus Cristo, mas por causa dele, também de outras pessoas com alguma missão específica para o proveito comum. Do ponto de vista de vivência interior, cada membro da Igreja pode sentir como seus, incorporados na sua consciência e processo vital, todos os bens, as infidelidades e as tribulações da Igreja. A individualidade pessoal de cada membro da Igreja, não é, portanto, somente parte do todo como se este fosse um mecanismo, mas até mais do que em um organismo. Os bens e conquistas dos mais santos fazem a alegria e a esperança dos menos santos.



A comunhão dos santos diz respeito a todos os fiéis, em todos os tempos, em todos os momentos da extensão total de sua vida, forma a Igreja a partir de Abel.  A comunhão é assim a conexão, a comunicação interna, espiritual, que une todos os fiéis das três esferas da Igreja (igreja militante que somos nós, igreja padecente, os que estão no purgatório e igreja celeste, os que estão nos céus) como membros de um mesmo Corpo místico e lhes dá a participação mútua dos mesmos bens. Assim é que os anjos se alegram pela conversão do pecador (Lc 15,10), o Senhor é louvado pelos que estão no céu, na terra e sob a terra (Fl 2,10s).

Esses bens circulam entre os fiéis em forma de mérito pelos atos de virtude (exemplos, testemunho, carismas, orações) e em forma de satisfação pelos pecados (penitências, intercessão, indulgências, sufrágios). Há também formas extraordinárias (pela menor freqüência e pela não imprescindibilidade), como aparições, experiências de presença e de intercessão. É a comunhão dos santos que justifica o culto às relíquias e às imagens, assim como a espiritualidade da imitação dos santos. Essa comunhão é mística, situa-se no nível profundo do ser, mas dá origem a expressões conscientes e intencionais que a alimentam.

Existe, na santidade oculta na Igreja, uma riqueza sempre transbordante onde podem haurir todos os pobres; por outro lado, ela coloca nas mãos dos pequenos uma alavanca para levantar o mundo. Os fiéis peregrinantes podem olhar para o elenco dos santos da glória como para um álbum de família, uma árvore genealógica, invocando-os com amor e esperança, com espírito de corpo.